março 07, 2013

Recordações daquele homem bom

   No fundo, agora percebo, eu gostava desse seu jeitão de ser. Não se preocupava com a roupa que vestia, não gostava de se aparecer pra fotos, não gostava nem mesmo de aparecer. Estava sempre ali, sentado por trás do balcão do bar, rindo das histórias contadas pelos bêbados, aprendendo com a vida sem ao certo buscar por ela... Pois com essa teimosia morria aos poucos, não tinha saúde, mas nunca se prontificou de ir a um médico, inventava desculpas e sempre saía vencendo, até porque com seu jeitão, convencia a todos de fazer tudo do seu gosto.
    Pai, por muitas vezes você me ensinou, por entrelinhas, como ser a garotinha firme entre os garotos, a garotinha inteligente na escola, a garotinha que sabia que tinha um herói. Não era bom em sentimentalismo e talvez por isso eu não o seja, mas sabia dizer as palavras certas, novamente, com seu jeitão. Você tinha um nome forte, mas eu adorava mesmo era quando mamãe te chamava de marido. Simples assim.
- Marido, o almoço está pronto. - Dizia calmamente, ela que era sempre tão firme. Não eram o casal apaixonado dos filmes, mas eram minha família real, rei e rainha sem coroas e sem frescura.
     Por outras vezes eu me deixei levar por dramas inocentes, dizia que você não me amava por não ser um pai igual os outros, por não me buscar na escola, por não me dar beijo na testa ou por nunca ter me dito (com todas as letras): eu te amo. Eu também nunca disse em voz alta, apenas escrevi cartinhas, mas o senhor abalado, apenas riu. Eu pequenininha, chorei, não entendi o quanto era difícil pra você lidar com uma pirralhinha te declarando amor. O "Waltão" - apelidado pelos amigos da época de garanhão - nunca foi homem de muitas palavras, mas até meus onze anos quando você se foi, eu não tinha aprendido a entender os fatos.
   Com quase quatro anos de recordações, a cada dia vejo que aprendi mais. Papai era um homem bom. Você era um homem bom. Ainda ouço os teus velhos amigos me dizerem "Ele não regulava comida pra quem precisava não, naquele barzinho entregava arroz e feijão pra quem aparecesse pedindo, cobrando apenas alguns minutos pra ouvir seus conselhos". Papai era um homem bom. Essa frase martelou em minha mente incontáveis vezes desde que você se foi, e eu, antes que você fosse não pude perceber.
   Todas as noites, penso em como seria se nós não fossemos tão cabeça dura e dissesse logo de cara um eu te amo no meio de algum bom dia. Mas onde ficariam as lembranças do teu jeitão? Eu sempre dou um pequeno sorriso quando penso em você como paizão, e era mesmo. Sinto tua falta. E de todos os bom dia substituídos por alguma musica improvisada que me fazia levantar pra escola. "Flavinha, hora de levantar, tomar banho, procurar o estojo e ir pra escola" - Cantava em um ritmo que só eu conhecia e a história do estojo, ah, eu sempre perdia alguma coisa de propósito pra chegar atrasada e não ter aula de geografia. Eu ficava irritada com a musiquinha, mas era porque odiava acordar cedo. A propósito, continuo odiando. Mas se você soubesse como sinto falta e pudesse voltar, juro que eu até cantaria junto.
    Sem abraços, sem declarações, amoleceu meu coração. Com alguns sermões e alguns trocados pra doces, foi o pai ideal. O papai que amo. Talvez você se envergonhasse se agora crescida eu te dissesse isso, tentaria contar alguma piada pra descontrair o momento, como sempre fazia quando tentava disfarçar a timidez. Confesse papai, você era um anti-social dos bons. E eu estou quase lá.
   Me disseram pra lembrar das coisas boas que passei com você, e eu estou fazendo isso enquanto tento controlar minhas lágrimas de saudade. Estou tentando imitar o teu sorriso, aquele que ficava escondido no teu relaxismo com beleza. Apenas concluo que te amo, mesmo com uma distância do céu a terra, eu te amo. Mesmo com uma distância da vida a morte, eu te amo, entre quem ficou com o coraçãozinho batendo enquanto outro parava em uma noite de sábado, eu te amo. E mesmo nunca tendo dito em voz alta, sei que assim como eu, você também me amava, pois mais do que simples pai e filha, eu era sua garotinha. Brilhe aí onde estiver, pra eu te ter próximo nas noites de pesadelos e nos momentos de medo, mas principalmente em cada singelo segundo que eu me recordar de você.


Flávia Andrade

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