maio 14, 2015

Gritos casuais


    Eles se esbarraram na rua dos inesperados. Estavam com o frio de agosto na roupas de maio, carregando as decepções passadas que queimaram como o sol do meio-dia. Não puderam, ou talvez não quiseram, seguir por outra rua. Sem sintonia e sintaxe foram andando, pois há muito tempo já sofrem de completa disritmia e descompasso. O silêncio é obrigação imposta pelo cansaço de ambos, pela exaustidão de desentendimentos. Contudo, enquanto andaram quietos, sem intenções, acabaram conversando. Na mudez apressada a moça pediu desculpas "... porque eu sinto muito por essa situação de agora, sei que errei também". Enquanto o rapaz, que ficou taciturno a uns passos de distância, disse "... não insisto mais em dizer esses pensamentos entalados na garganta (...) não adianta", no rangido dos passos lentos lamentou. Ela, aflita, quis começar um assunto menos desconfortante quando estralou os dedos e agir como se a vida inteira dos dois estivesse resolvida. Emocional demais, assim retornariam aos problemas antigos. Ele tentou explicar o quanto é tarde e, "pelo estrago feito", não há chances de recomeço. Os dois silenciaram de vez. Aquela foi, provavelmente, a vigésima despedida. Ambos se observaram no futuro em que disseram que estariam algum dia, e era justo aquele. Contaram as novidades de maneira imagética, através do novo corte de cabelo, da barba mais crescida, da mochila pesada que força a má postura. Na curva da rua, onde os trajetos de seus caminhos se diferenciam, a moça notou que houve um silêncio não dito, restou-lhe uma incompreensão e duas confissões. Afinal, a falta que ela percebeu que ainda sente, ele percebeu também?

Flávia Andrade

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