junho 27, 2015

fim

    não sou uma suicida. segundo após segundo, desde que acordo, penso e faço qualquer coisa (dentro de meus surtos e receios e impedimentos) que me deixem viva até alcançar a próxima noite de sono. não estou tentando morrer. não estou ávida para essa vida. não estou tentando me atravessar com nada e tampouco tentando atravessar alguma coisa. respiro. e o tanto que respiro é o tanto que me mantenho aqui. exige uma força tamanha. e as relações, elas me enfraquecem. cada relação é um peso enorme fincado no meu ombro que vai sendo arrastado comigo e não posso colocar numa sacola pra tentar diminuir a dor. e as vezes elas se afundam com tanta energia no meu ombro e rasgam e descem costas abaixo e me abrem e o sangue esguicha flávia afora. mas eu não as arranco de mim, deixo-as ficar. ficam aqui rasgando e rasgando e abrindo meu corpo por inteiro. eu deixo que as relações me tomem, peguem tudo o que é arrancado de mim, eu até entrego as vezes, embrulho pra presente, dou junto de declarações. e se alcanço a próxima noite de sono na qual eu possa dormir, talvez sonhar, e respirar levemente mais uma vez, eu sei que venci, eu sinto no banho noturno meu corpo sendo restaurado e não posso ver nada do que aguentei se acabar. 
    o que eu estava dizendo até aquele ponto é que o fim é castigo. só confio em luas porque sei que sempre dão espaço aos sóis. além de sol e lua, rotação e translação, planetas que agem sem nós, além de nós, as coisas não acabam. mas a gente sempre deixa que acabe. e eu aguento tanto, mas tanto. eu suporto as relações e eu me entrego, eu me esvazio para alimentá-las e antes que me acabe por completo, tento me recompor. digo todas aquelas coisas sobre amor e felicidade e etc e tal porque tento, do fundo da minha pele mais desgastada por pesos alheios, dar essas coisas etc e tal a quem me encontra e tenta caminhar ao meu lado durante esses dias que segundo após segundo me corroem. eu morro para estar bem e não tentar me matar. é muito doloroso ter que acordar, abrir as janelas, a porta, fazer o café, sair na rua, encontrar outras pessoas, é muito doloroso dizer bom dia, é muito doloroso dizer que estou bem. mas eu me mantenho. e eu não consigo aceitar que alguém vá embora.
    se no meio do dia que outra vez iniciei ocorre um fim, um fim que não seja o baile da lua e o descanso do sol, eu me perco. um buraco sem fundo se abre no meio do meu caminho de modo que não posso continuar a dar meu passos sem cair e despencar e me machucar tanto que recomposição nenhuma me deixe refeita por inteiro para outras jornadas. eu não sei pôr fim em nada e não sei aceitar nenhum fim. aqueles pesos fincados tão jeitosamente quando repentinamente ficam leves e inexistentes, deixam crateras que meu corpo não completa nem cobre. nem os que só ficam por três dias, tampouco os que permanecem por três anos, nem os que cresceram comigo, nem os que me perfuraram ainda ontem. quando são retirados e decretam fim, meus pensamentos ficam aflitos e nervosos e turbulentos e mandam todas as energias pro espaço que é deixado. e o trânsito e as quinas e o fogão e tudo em que é possível tropeçar, cair, causar uma dor dos infernos, tudo aparece de maneira errada. eu fico tão perdida e tento dizer pra mim, em prece, que não sou uma suicida ou desistente e não dou fim ao que sou, mas o sangue que escorre sem ter por quem derramar também não me dá sentidos que digam: avante. então eu paro, inerte, e viro um ponto final.

flávia andrade



    também não sei dar fim aos textos, já estiveram em mim e foram mais eu que sou durantes esses dias que se passam segundo após segundo. os começos me embarcam sem direção alguma com olhos vendados e eu venho com todas essas coisas a dizer e não posso parar. lua alguma e sol algum sabe silenciar esse vocabulário torto enorme e com esquisitices que tenta sempre dizer o que nada mais sabe expressar em lugar nenhum. e não posso terminá-los. e ninguém pode terminar por mim. e não posso ser deixada a ponto de escrever tanta coisa com fim e sobre fim. e todo alguém pode tentar me trazer todas essas coisas acabadas de volta para remendos.

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