julho 03, 2015

Bloqueio Criativo



    Você conhece o barulho de quando desliza os dedos pelo teclado entre a tecla de caps lock e a tecla enter. Você vê por dentro da tela, por fora da tela, por cima da tela, por baixo da tela. Você encara a página em branco. A fonte, o tamanho da fonte, o espaçamento, as larguras, já está tudo ajustado. O relógio marca a hora apropriada, a data esclarece o tempo perdido e o tempo que virá e você não pode perder outra vez. Sabe que precisa escrever. Os motivos são tantos! Precisa escrever para ter no estoque de textos que comprovam que é escritor, precisa escrever para conseguir uma aparição naquele blog conhecido, precisa escrever para terminar de uma vez o livro que começou em dois mil e um, precisa escrever porque não pode ficar parado achando que vida de escritor é um eterno cochilo na rede, precisa escrever porque é isso que você faz. 

    Já teve a ideia, já pensou no texto, já sabe o que quer. Sabe gramática por memória de leitura e não por regra (no máximo aquelas três ou quatro regras que aprendeu na escola), mas sabe. Já escreveu antes, se conhece o suficiente para saber como flui. Mas não flui! 

    Está parado. Bate fome, bate sono, bate cansaço, começa a chover, vira temporal, você levanta pra fechar as janelas, verifica se o carro está bem fechado, dá uma olhada nos cachorros e nos gatos, passa pela geladeira, abre, reflete sobre a vida olhando para o pote de manteiga em cima das marmita do almoço de semana passada. E você está perdido dentro de você, dentro daquela casa, dentro da vida de escritor. E você não tem outro rumo pra tomar, é só aquilo ali que não está conseguindo fazer. 

    Você se sente, além de desajustado, um trapo por ter uma única função: escrever, e infelizmente, não conseguir cumprir essa única maldita função — que há uns tempos atrás, quando conseguia terminar um conto em um dia, era o seu maior prazer. 

    Então o dia acaba e você dorme. 

    No outro dia está no ônibus, indo para sua faculdade de Letras, e as palavras do texto que não foi escrito ontem correm por sua mente como se você fosse só um corpo recebendo um espírito escritor e você não pode pedir para o motorista parar e não dá pra anotar tudo com o veículo em movimento, que aliás, agora parece um trator — e antes você nem tinha reparado no quanto aquilo se mexe para cima e para baixo enquanto se move. E bate um desespero de esquecer tudo. 

    Mas você chega ao ponto, em algum momento tinha que chegar. Então corre para o lugar mais próximo onde pode sentar, anota tudo, sente um alívio. Passou. Como uma picada de agulha, como ir ao banheiro depois de várias latas de cerveja, como acordar de um pesadelo. E você ama ser escritor novamente.

Flávia Andrade

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