setembro 07, 2015

Eu não fui

    Eu estava lá. Na hora exata em que você me esqueceu. Quando contou a magnífica história daquele dia louco e inesquecível. Quando citou um a um que esteve presente. Quando não falou meu nome. Eu continuei lá enquanto você narrava do início ao fim, com maestria, os detalhes de uma noite que teve um quê de risível, um quê de questionável, que até fez um de nós chorar. Eu estava lá quando você pausou um pouco, tentando lembrar o que havia acontecido em seguida. Estavam todos ansiosos para ouvir o desfecho. Eu sabia, eu poderia contar, mas você não disse meu nome. Meu nome que assina todos esses textos. Meu nome. Você tentava lembrar e meus olhos inundavam, as palavras estavam navegando neles. Eu fiquei lá até o fim, até o fim que você demorou a alcançar porque quis contar tudo, sem deixar escapar nada. Mas eu percebi, bem naquela hora, que eu já tinha escapado, já estava solta, já estava em uma liberdade clandestina há muito tempo. Você se esqueceu do que nunca quis lembrar e eu queria não ter ido. Eu poderia ter ficado em casa assistindo filmes do Godard, lendo os romances dos que não esquecem, escrevendo um novo livro sobre as falhas de uma vida toda. Uma vida toda de uma esquecida. Mas eu estava lá e tentei sair sem ser notada. Fui desviando, tropeçando, eu corri para que você não me visse. Eu corri até aqui para você não me ver nunca mais. Eu corri para sumir de vez, sumir de mim, sumir da história que naquele dia eu quis contar também.

Flavia Andrade

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