setembro 24, 2015

Traços

    Meu mundo está nos traços. Os traços contornados do rosto dele que se embelezam entre o queixo e os ombros em um pescoço que eu beijaria toda vez. Os traços das dobras dos dedos que roubam minha atenção enquanto escrevo e os traços das letras no teclado que me trazem de volta ao enredo. As traças que deixam minhas blusas rasgadas. Os traços-estrias perdidos no meu corpo de mulher-sem-perfeição. Não me esqueço nunca dos traços mais bonitos nas fotos da família, dos amigos, dos perdidos desconhecidos. Não lembro tanto dos traços dos que já se foram, mas seus traços de perfume e riso ainda me acompanham em noites ou semanas de saudade. Os traços-laços das roupas de ocasiões especiais e os traços-amassos dos que encontro dentro do cotidiano. Ah, os maravilhosos traços da rotina que tentam me segurar e deles me arrebendo, e nessa brincadeira nunca repito um dia. Os traços das rotas mais curtas que sei de cor e os traços-sonhos das rotas que quero viajar, são os traços-mundo de uma vida cheia de mapas. Amo os traços que as veias desenham naturalmente e os traços que artistas fazem em nossa pele com suas tintas e agulhas mágicas. Sou feita de traços embolados como fios de fone de ouvido em bolsos de calça jeans. Não sou traço de costura, sou de lápis, pincel. Se uma linha se solta lá na ponta, meu mundo chega cá desabando, entortando, mas começo sempre um traço novo com giz, ponta dos dedos, compasso. Sugiro a ele um novo traço: dois em um, como se a corda bamba do palhaço pudesse dar nó com a corda firme e elástica de quem salta de bungee jumping.

Flávia Andrade

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