janeiro 12, 2016

Meu e minha, eu.

    Meu corpo fica bonito com poucas peças de roupa, caminhando tranquilo pela casa, dançando na ponta dos pés ao som daquelas músicas do Bowie. Parece lindo na frente do espelho, ainda que com curvas tortas nos contornos ou feitas de estrias na pele. Não se apresenta tão bem às câmeras, e não quer tanto. Guarda-se em casa, na liberdade de semi-nudez contemporânea. Hoje não quero sair. 
    Eu ando leve do quarto para a sala de estar, buscando novos pensamentos para desperdiçar horas. Os dias não me pedem muito e as pessoas não me procuram, eu quase desapareço. Não me sinto só, não tanto. E se me sinto, enrolo-me em um cobertor e trago de volta as boas recordações de bons abraços, até a solidão ir embora devagarinho, enganada. 
    O que me importa é o som funcionando e a porta da geladeira sendo aberta no meu tédio. Eu sinto que posso ser dessa forma estranha quando não há ninguém para ver. Eu me encontro e me reencontro e me escondo quando sinto medo de todas as descobertas sobre quem sou. São como os textos mais intensos e autobiográficos que me causam arrepios, apenas porque com palavras me revelam o que eu custo a acreditar. 
    Meu corpo quer dançar sozinho onde sobra algum espaço, entre os tropeços nos móveis. Eu gosto dele, mesmo cuidando pouco. Gosto de como não se solta tanto, sem perder a chance de parecer flutuar. Gosto de como abriga meus medos e meus segredos e meus gestos e minhas histórias e minhas ladainhas e aquelas mentiras que nunca desmenti para ninguém. Gosto de como suporta o peso dos meus problemas, mesmo que os suporte em cima da cama. 
    Dizem que o tempo passa depressa, mas eu desperdiço meu tempo contando horas e as horas ficam paradas me encarando com a mesma intensidade que as encaram. Os números no relógio só mudam depois de muito esforço. Eu fico agoniada. Então lembro novamente, estou sozinha nessa casa. 

    Danço. 

    Danço porque, de alguma maneira, a vida tem que seguir. Me sinto bem porque, de alguma maneira, eu tenho que estar bem. Aceito esse corpo e até gosto dele porque, de alguma maneira, é meu.

Flávia Andrade

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