eu iria parar aqui no meio do caminho, porque eu acho que tô
indo rápido nisso, com uma pressa tamanha de ser feliz de vez com a cara e a
coragem, - sentir medo é só mais um defeito meu que afoguei nos copos de
bebidas que bebi quando as outras tentativas não deram certo -. eu iria parar,
se uma coisa maior em mim não estivesse com tanta certeza de que, de agora em
diante, errar é só uma questão de sorte para chegar às partes boas.
dezembro 31, 2015
dezembro 25, 2015
Espírito natalino
Essa noite não é como
todas as outras, mas eu a conheço de alguma época, como se esse instante fosse
uma coisa vivida há um tempo atrás. Não consigo lembrar quando aconteceu e não
sei lembrar como termina, mas me arrisco em permanecer acordada até que o
próximo dia venha. Quero vê-la passar.
Sobre o que sinto
agora, ainda não sei. Talvez seja a saudade barata causada por uma paixão
passageira que me leve a essa nostalgia mais profunda, ou vice-versa. Talvez
seja a falta de amor lá fora e o excesso de amor dentro de mim. Talvez seja o
quanto não demonstro e o quanto sonho com demonstrações de afeto. Sobre o que
sinto agora, somente o ar um pouco incômodo do ventilador, a paz dos ouvidos
pelo fim dos fogos de artifício e a vontade de ter bebido qualquer coisa com
álcool.
Meus toques em mim,
toques próprios ainda que desapropriados, os toques são bons. Eu estive
sentindo minha pele e imaginando a sensação de outras pessoas que já a sentiram.
Penso sempre em agradar o quanto posso e ter sido boa o suficiente na medida
que pude. Por agora, não soa tão difícil. Mas o abraço de uma ou duas pessoas -
com suas particularidades e impossibilidades de estarem comigo agora - me fazem
falta.
A noite não corre, a
noite não caminha, a noite vaga. Os minutos são processos minúsculos de
sentidos, pensamentos e devaneios que vão estourando - silenciosamente - no ar,
aos poucos, depois de inflarem alimentados por tudo o que há na minha cabeça.
Algumas luzes aqui e ali permitem que eu veja o máximo que é também o mínimo
desse horário, a melhor parte: um pouco do céu lá fora, silhuetas dos móveis e
os dedos das minhas mãos que teclam um novo texto.
A noite não me
apresenta nada além do que eu mesma posso produzir, e ainda assim me disperso.
Procurando um objeto qualquer vulgar, um inseto qualquer chato, uma pessoa
qualquer no portão. Procurando algo que me tire daqui de imediato - somente
porque sei que nada vai surgir e não terei de sair do cômodo. Procurando apenas
porque estar comigo mesma, tão entregue e livre, causa algum medo meio sem
sentido.
Às vezes a inspiração
parece falhar, e lembro da única pessoa que me faz escrever até quando eu peço
para sumir, desaparecer, não me ver mais por nunca mais pelo resto de nossas
vidas. Por muitas vezes eu pareço falhar, apenas por ainda buscar inspiração
nesse alguém. Quem diria, então, que todas as aparentes falhas fossem me trazer
até aqui. A vida de escritora não soa tão mal quando se tem como matar o tempo
em uma noite natalina de insônia.
Não há muito o que
desvendar nesse meio escuro. De todo jeito, encontro novos motivos para não
estar tão feliz, tão triste, apenas meio-termo. A vida é morna daqui pra lá,
como quis ser também de novembro pra trás. Há muito em mim, eu repito sem
parar, e há pouco lá fora, eu reclamo sem parar, o equilíbrio ocorre em
instantes raros que tento recriar de novo e de novo. Nessa noite, enquanto
todos dormem, o equilíbrio quase acontece.
Essa noite não parece
fim. Os filmes, as relações - e também os amores -, as ceias, o trânsito, tudo
deveria começar nessa média de horário das duas da manhã. Deveríamos dormir
enquanto o sol estivesse forte e queimando nossas peles. Deveríamos ter
investimentos nas luzes dos postes e nas lâmpadas e nas velas e em tudo o mais
que pudesse colaborar com a lua.
Essa noite, tão
melancólica e rara, com seus extremos emocionais, à flor da pele, parece a
melhor noite para me encontrar.
Flávia Andrade
A saudade que tenho que sentir
Eu sinto falta de você somente porque não
posso dizer que é meu, e conto os dias para fazer um convite disfarçado de
coincidência de ocasiões. Por acaso a gente se esbarra em um caminho calculado
por mapas por mim e não conto a ninguém como foi que te encontrei. Eu sinto saudade
apenas porque não sentir seria admitir que algumas horas longe não fazem tanta
diferença. E fazem. Eu sinto vontade de te ver só porque fazia um tempo que eu
não encontrava alguém que me dava esses impulsos de felicidade que você me dá,
e senti-los é mais uma dessas coisas que mudam a rotina sem graça que eu tinha
antes de te conhecer. Conhecer esse seu jeito, afinal, depois de saber seu
nome, foi a melhor coisa que me aconteceu nos últimos meses. E por isso, eu
tento ser um pouco melhor do que sou, de uma forma mais bonita de me
apresentar, pra não te deixar desistir tão fácil.
Flavia Andrade
dezembro 23, 2015
Here we go again.
As partes mais bonitas
eu guardo pra mim, e aqui coloco só o que me resta para mostrar a um mundo que
não confiava nas boas decisões que eu pudesse fazer. Eles me viram insistindo
no que nunca poderia dar certo, como os choros no ponto de ônibus depois das
dez da noite por não ter encontrado quem disse que me encontraria. Eles me
viram desistindo de mim mesma apenas para me adequar às vontades de um alguém
que nunca se interessou no que eu tive a oferecer. Eles quase não suportaram as
mudanças, porque a dor de não ser mais eu transbordava e espirrava algumas
mentiras neles. Mas, como se não fosse mais uma vida minha - vida errante, eu
comecei a me (re)encontrar. Deve ser essa coisa sobre se encantar por um
detalhe novo dos dias que finalmente parecem passar. Deve ser algo sobre se
apaixonar novamente. Deve ser algo sobre confiar no amanhã, valendo como dia 24
de dezembro, valendo como um dia qualquer de 2015, valendo como um recomeço meu
numa data propícia.
Flavia Andrade
dezembro 22, 2015
Outra fuga
Pra lá eu vou. Sem nome nenhum, porque só
os mortos têm nome e sobrenome reconhecidos lá pra fora do país. Eu vou ainda
viva, ainda que embriagada demais para jurar vivacidade de consciência. Vou
atravessar de mundo em mundo pra chegar numa rua só: a que vai me fazer feliz.
A rua onde você escondeu seu corpo esguio, fingindo não querer mais nenhum
abraço meu.
Das dificuldades tamanhas
Eu não consigo relaxar os músculos, não consigo desacelerar o coração de volta à normalidade aceitável. Eu não consigo respirar muito sem algum pensamento sobre você. Não consigo pensar muito sem parar no seu nome. Não consigo ver tanto seu nome por aí sem querer te ver. Não consigo ir te ver sem me encontrar primeiro, sem ter medo de me perder na sua frente. Não consigo perder esse medo enquanto você não me chama com breves insistências. Não consigo explicar o quanto umas tentativas a mais aos meus charmes às vezes caem bem. Não consigo explicar, afinal, muita coisa. Não sei fugir do meu próprio silêncio, mas sei que quero te deixar acomodado até quando não tivermos palavra nenhuma para dizer. Não somos de mudez mútua, mas risada a gente compartilha até que bem. E não sei perguntar se você está bem com a sinceridade maior de pedir para me contar cada angústia guardada e cada felicidade sua que não presenciei antes. Não sei manter a conversa até descobrir sua vida inteira e pedir pra me encaixar. Eu estou sentindo tudo, mesmo sem conseguir nada além de te abraçar bem forte significando muito além de um calor casual. Assim, perdida e bagunçada, como uma pedrinha importante no bolso de uma pilha de roupas sujas, eu espero você me descobrir.
Flavia Andrade
O tumulto e a falta
[Disponível no Wattpad]
Imagina aquele bar lotado como você nunca viu. As luzes até pareciam insuficientes, as pessoas em pé cobriam a visão de quem, como eu, estava sentado. O atendimento sempre foi ruim e a mulher não ouvia meu pedido, eu só queria uma cerveja gelada. Para ser atendido era preciso gritar, mas minha timidez no mundo fora de casa nunca me deixou fazer isso, você sabe, e eu só consegui beber depois da meia-noite, uma coisa meio quente e sem graça. O tempo todo olhando ao redor buscando qualquer alma que pudesse me salvar da solidão de ter me enfiado ali naquele meio de gente esquisita. O tempo todo te buscando, tanto que te vi. Eu sabia, eu juro que ainda sabia que você estava longe naquelas horas, andando pelo Chile ou pelo Peru, mas imagina o bar lotado me sufocando, me deixando tonta, me deixando agoniada. Eu queria tanto te encontrar para buscar abrigo que te vi no rosto do moço com uma barba feia perto da nossa mesa. Nossa, porque a marcamos com fogo do isqueiro. Tentei, toda errada, passar pelas pessoas suadas e te alcançar - mesmo que dentro de mim uma pessoa mais sã estivesse gritando que não era você ali. Posso ter tropeçado duas ou quatro vezes, posso ter me perdido em um rápido apagão. As pessoas queriam ouvir o primeiro show acústico que iria rolar daquele homem quase-famoso no bar, enquanto eu só queria saber por que infernos tinha ido parar no pior lugar para se estar naquele dia, naquela noite. Eu correria dali, digo, atropelando todo mundo no meio de um surto desesperado. Eu correria, mas não poderia admitir que estar ali sem você era tão difícil a ponto de causar uma fuga.
As fugas são suas, no fim. É você quem vai embora sem deixar muitos rastros além de mentiras, é você quem some do dia pra noite. Enquanto fico aqui - querendo não admitir que outra vez o baque da sua falta foi causada pela minha falta de preparo para outra partida sua - acabo esquecendo como foram os erros que cometi ao seu lado, e sei que quando você retorna, eu os refaço.
Imagina aquele bar formigando como não aconteceu na inauguração e nem no dia de promoção de cerveja por dois reais e setenta e cinco. Você estaria achando graça do meu olhar assustado e não se preocuparia em buscar caminhos até alcançar o balcão e garantir quantas bebidas quisesse com todo o ar de certeza sobre as próprias decisões da vida que sabe transmitir.
Sem que eu precise pedir para imaginar, você sabe que fiquei naquele canto cobrindo os furos da mesa com os dedos como um joguinho infantil improvisado, toda distraída em relação aos movimentos alheios. Se não ficasse ali, eu não saberia ir mais longe e voltaria para casa para olhar fotos antigas e olhar seus olhos nelas e olhar o bem que você me fazia e olhar tudo o que você deixou escapar de mim.
Eu não estava gostando do som, da bebida, do trânsito de pessoas, dos sentimentos aflorando como uma sintonia que soa nos ouvidos até alcançar as partes que doem, como se dedos puxassem fios dentro de mim buscando notas musicais de ritmos tristes. Como são aquelas músicas que você me apresentou do Neil Young, como Like a Hurricane.
Os cachorros estão com gravatinhas natalinas, de banho tomado, esperando você voltar com o perfume que eles gostam de sentir a três quadras de distância. Eles sentem saudade e correm pela varanda e brincam entre eles e querem que alguém arremesse a bolinha amarela para que busquem o mais rápido que podem. Mas meu coração te espera como uma moça esperando seu homem no porto vindo na próxima embarcação, parado e taciturno.
Imagina aquele bar lotado como você vem lotando minha mente. Eu não sei dizer se os burbúrios de fora conseguiam ser piores que os de dentro de mim, mas sei que nenhum calava o outro. E para acalmar qualquer um dos dois, eu precisava de você ali. E para a noite não ser tão boa como poucas vezes foi, você não estava. E para variar um pouco do que sinto, eu me arrisquei naquele cara que parecia um pouco com você.
Imagina aquele bar lotado e eu - engolindo choro, cerveja e saudade - dei o amor que sobrou para o primeiro que falou algo que fizesse sentido, ainda que fosse só naquela hora, porque eu estava só, feita de só, lá, dó. Naquela hora, eu sabia, você percorria ruas e ruas parando apenas para tocar violão e notas mim. E sei ainda que perdeu de fazer seu maior concerto no bar. Eu apenas não sei quem anda perdendo mais, quem caminha mundo afora ou quem fica economizando pernadas. Quem vai e deixa a vida ou quem fica e perde a chance de viver melhor. Quem não liga mais por ter perdido a coragem ou quem não recebe mais ligações por ter perdido o contato. Quem vai pior?
No meio de tanta gente talvez eu não fosse a única no fundo de um poço emocional. Talvez estivessem ali os mais desgastados, os mais cansados de perder alguém. E se você foi embora para andar com os alegres, talvez esteja se desequilibrando, sendo o único sozinho e com espaços vazios a preencher. Eu não acuso, eu tento me conformar de um jeito distorcido como me ensinou. Essa comparação apenas nos aproxima porque, sem um e sem outro, somos iguais.
Imagina aquele bar lotado e você me encontraria, reconhecendo-me até mesmo se a lotação fosse só uma coisa de um sonho meu ou seu, assim como eu soube te encontrar.
dezembro 21, 2015
Overdose de pensamentos sobre você
Eu fico parada no meio da sala de estar enquanto aquela música que diz tudo o que eu não sei dizer toca. Eu fico aqui porque na cabeça os pensamentos giram acelerados, causando em mim uma overdose de possibilidades, hipóteses, otimismos e pessimismos. Eu tomo todas as doses de todos os tipos de ideias futuras. De agora em diante, faço o de sempre, pois sou uma persistência dos mesmos erros. Até aí, logo no início do meu relato, você se encontra percebendo que eu me esforço para não ficar em paz no que me meto sozinha, e que saboto a minha vida apenas por exagerar um tanto cada sentimento. Olha aqui a menina que erra de novo e de novo no mesmo ponto, no mesmo horário, com os mesmos motivos. Pode parecer o pior de mim, o pior do que faço, um jogo sujo contra o que desejo. E então, a partir dessa frase, começo a trazer alguma razão quase suficiente que me justifique e me salve por algum tempo razoavelmente bom. Eu erro de novo porque espero o melhor. Eu repito o erro porque nunca perco a confiança cem por cento. Eu insisto no que não deu certo porque alguma fé, superstição ou algum resquício infantil de acreditar em mágicas me move até o ponto de partida de sempre. As chances da vida me frustrar outra vez são sempre as maiores, mas os riscos me rodeiam, me contornam, funcionando como os riscos que faço em folhas formando letras e palavras e frases. E eu não sou de negar nenhum tipo de risco, nem de corrê-los nem de escrevê-los. Bato de frente, ainda que doa depois. Vou pra cima, ainda que despenque rapidamente ou lentamente no chão. Isso deve ser alguma coisa grande de gente otimista, algo que as camadas espessas e velhas de pessimismo por cima do meu corpo não conseguem aceitar tão bem. Ter otimismo, afinal, é o maior risco de todos. E eu pego pra mim como uma coisa casual que tenta ser séria.
Flavia Andrade
dezembro 20, 2015
a quebra do clímax
de repente, o dia chato
ganhou um tom bonito, e eu estava com as minhas pernas esticadas no colo dele,
questionando o gosto do vinho barato que compramos.
- dever ser o gosto de
cerveja que já estava na sua boca.
ele tem explicações
óbvias que sossegam meus questionamentos disparados. de repente, o frio nos
serviu de empurrão do destino para nos juntar um pouco mais, aquecendo-nos. lá
estávamos, parecendo duas pessoas que se pertencem com um conforto tamanho que
os outros ao redor não podem interromper. olhávamos nos olhos para falar sobre
o que há de mais simples.
eu não sei como tanta
gente chegou, formando uma roda de onze ou doze pessoas com seus copos e seus
cigarros e suas histórias e suas risadas. eu os conhecia, mas não queria ir
além para desvendar todos os seus mistérios como queria fazer com ele que
estava ali perto, ao meu lado. sei que soa clichê, mas nunca fomos mesmo de
escapar dos dramas e romances mais comuns da história. talvez até gostemos de
nos parecer com personagens de livros, tornando-nos assim uma reviravolta
literária: a realidade exposta da representação do real. porque a escrita
exagera a vida quando a imita e, estando juntos, somos essa prosa já exagerada
- ainda que nos falte vocabulário. somos personificações da imitação de outras
pessoas. lembro que o vinho era só para nós dois, e, a partir daquilo - daquele
acordo de beber uma coisa só nossa, partimos para a sensação de beber só de nós
também, adentrando um mundinho particular. eu estava bebendo da sua presença
para não me sentir mais sozinha e ele estava bebendo do meu jeito de encará-lo
como quem sente um amor gritante, assim, conseguia prosseguir com aquela noite
que, antes mais cedo, ele nem queria viver.
eu deitei minha cabeça
em seu ombro para que a tontura da embriaguez passasse, para que um afago
viesse, para que tomar um pouco de si para mim ficasse mais fácil através dos
pequenos toques e gestos. fiquei ali pensando em um futuro não tão distante
que, por mais inventado que fosse, no meio de algum otimismo certo meu, poderia
acontecer. não era minha hora de criar expectativa, mas eu criava como quem
cuida de um animal dócil, criava com cautela.
nós saímos de lá de
fininho, quase nas pontas dos pés. foi para escapar deles e somente assim poder
no encontrar como estávamos querendo: profundamente. escorados no muro baixo da
sua casa e de repente seu corpo contra o meu e de repente ambos os corpos
enlaçados e de repente os dois no sofá e de repente suspiros. queríamos nos
encontrar daquele jeito sem saber o porquê, mas lá estávamos. se foi cerveja,
se foi vinho, pra ele eu não sei, mas pra mim foi só ele, o único motivo para
estar ali.
eu ficaria até não
existir mais aquele dia, até ser outro e outro e outro. eu permaneceria, assim
tão fácil, sem pedido, apenas ficando mais e mais. feita de repetições do que
foi bom. mas ele não sabe ter ninguém pra sempre quando o tempo começa a
passar rápido demais. comparar os dias e ver todos iguais machuca-o um tanto,
e ele não me deixaria transformar nós dois em rotina.
fim de embriaguez,
ressaca e pé na estrada. minha hora de voltar pra casa. eu viverei mais dias chatos outra vez.
dezembro 17, 2015
Guria de papel
Foi em um dia de sol, no qual o sol parecia
desenhado e pintado com lápis de colorir amarelo: estava ali só de enfeite e
não queimava, foi num dia desses que aquela menina nasceu. Sem dentes, embora
já soubessem que logo que aparecessem também iriam amarelar. Ela nasceu felina,
feito gato: ficou pouco com a mãe e logo foi largada no mundo. Não teve dono
também.
A menina ficou ali precisando de leite, mas
só tinha sete vidas persistentes e vento nenhum, chuva nenhuma a fez se perder
dela mesma. Suportou todos os traços coloridos de alguém bondoso que ainda se
dava ao trabalho de pintar um céu inteiro para ela e, vez ou outra, coloria uns
carros na cidade que tinham barulho só de papel amassando na mochila no meio
dos cadernos.
A menina nasceu no ar, tão abandonada e sem
atenção que quase virou bolinha arremessada na lixeira do canto da sala de aula
para crianças. Mas era sortuda, tão sortuda que foi esquecida na mesa mais limpinha
e lá teve oportunidade de sentir o cheiro da merenda e o passar dos dias.
Tinha olhos pregados pra direção exata de
olhar pra fora e enxergar o universo no qual não poderia estar, mas, de alguma
forma, vinha de lá realmente.
dezembro 16, 2015
Só por um dia e pra sempre
[Disponível no Wattpad]
[Recomendação de música: Heroes - David Bowie]
Perdoa o meu corpo cansado que deixei pousar no seu sofá. Eu não trouxe nada, além de chegar transbordando sentimentos, sentimedos, as más emoções sem-ti e coisas assim. Porque venho como uma curiosidade qualquer indecifrável. Pareço lua cheia em eclipse - me mostrando por inteiro no lado escuro. Escondo tudo de mim para que não roubem pedaços, e me revelo em quartos fechados apenas para não me sentir presa sempre. Ando com medo de assaltos à mão afável, que no primeiro toque discreto levam bens e segredos não-materiais. Deixei pra fora qualquer vontade, e fui um tanto mal educada não oferecendo (a mim mesma) abraço (seu) nenhum. Só cheguei para ser só, como sempre sou, mas dessa vez do seu lado.
Perdoa o meu cheiro de cigarro tomando a sua casa. Eu traguei a nicotina e a saudade, amarelando cada parte minha. Meus pés queimando dentro do sapato como se fosse dentro deles que as cinzas e bitucas tivessem caído, meus pés quiseram me fazer te buscar. E eu vim, desse jeito de quem não nega mais impulso algum. Eu vim sem explicar as razões que não tenho, que não engulo, que minhas emoções não deixam me atravessar.
Perdoa por não ter muito o que dizer agora que estamos frente a frente, e por pedir pra ligar o som naquela música que só eu gosto. É porque nela tem toda a poesia que não sei te mostrar e te fazer digerir através das palavras minhas. Aos poucos, eu apenas sei dizer que venho me apaixonando. Não é por você, é por detalhes seus. Não quer entrar nessa dança sem ritmo comigo? Passo-a-passo: olhares, desviares, um projeto de não ser mais um estranho pra mim, de não ser mais uma estranha pra você. Se fingirmos uma boate na sua sala com a coragem de uma embriaguez, podemos ficar até não existir mais calendário.
Para além do agora, não tenho planos. Para além de hoje, não conto dias. Para além de nós, não há mais ninguém. Mas eu espero que a gente sobreviva. Nós poderíamos ser heróis só por um dia, não é isso que o David Bowie canta? Nós poderíamos nos salvar e salvar a nossa atmosfera apenas se respirarmos juntos entre tudo o que podemos fazer com os nossos corpos.
Eu pediria desculpas apenas por ter começado esse novo texto sobre você, mas depois do vigésimo quinto a gente já não se preocupa mais. Eu pediria desculpas pelas ironias tamanhas que tentam disfarçar minhas vergonhas, meus anseios, meus desejos, mas depois de um dia inteiro fazendo confissões em um tom de voz sarcástico, você já aprendeu a descobrir as minhas verdades. Eu pediria desculpas por, a essa altura, te querer tanto. Mas estamos juntos, não estamos? Então você me quer também. A culpa é de quem não pode mais nos ter.
Sei que, caso você acredite em alguma coisa de instinto masculino, vai querer ir embora na minha primeira demonstração de afeto. Eu sou dessas pessoas que escrevem sentimentos, materializam sentimentos, transformam sentimentos, e uma demonstração é sempre exagerada. Mas eu juro que mesmo sentindo muito e mostrando ainda mais, o que peço de você é bem pouco.
Eu peço - como quem conta um segredo - para me encontrar por acaso até quando penso que não vai vir, para me roubar um riso até quando acho que o dia só quer me trazer uma dessas depressões contemporâneas que nos afundam só por estarmos vivos. E se for pedir muito, peço apenas para me deixar te encontrar e te fazer rir. Posso ser o bem pra você que eu quero que seja pra mim. Eu peço para acreditar no que não digo, porque significa sempre mais do que as besteiras que me escapam.
Por fim, me perdoa por andar pela rua sorrindo por lembrar das frases que me diz, algumas meio a toas, e por acabar tropeçando por ir depressa apenas por querer parar no portão de casa e te chamar mais uma vez.
dezembro 14, 2015
Ao Bukowski
Você aposta em cavalos,
Bukowski, eu só sei apostar no amor. Sei que também já apostou nessa coisa que
é tudo aquilo que dissemos que não era, porque reconheço seu sentimentalismo de
longe, nas entrelinhas mais discretas. A diferença entre você e eu, é que você
sabe fingir bem que não sente nada por ninguém, só sente muito pela própria
vida, como se um suicídio fosse um favor que você não vai cumprir tão facilmente.
Eu não sei fingir nada e me deixo exposta em um sol de meio-dia lembrando das
coisas suas que já li. Eu te vejo com suas incontáveis mulheres, adorando todas
elas com seus defeitos mais gritantes - porque você gosta dos erros, das falhas
-, e de minha mulher eu só chamo a
cerveja, o único cão dos diabos que me dá bons efeitos. Essa cerveja aí é tudo
o que você quer pra agora? Não vai pedir um vinho ou um uísque? Eu pergunto
isso porque, na verdade, gostaria de estar perguntando o que te abala e te faz
chorar deitado em posição fetal no meio de uma crise, mas soaria um porre.
Perguntaria isso apenas porque estou aqui comparando sentimentos nossos,
procurando qualquer deslize que sai de uma palavra sua e corre até uma minha
para que possamos nos parecer em algo, porque meu desespero grita. Meu
desespero de entender como é ser um escritor como você e para entender como é
ter mais de cinquenta anos e não morrer de decepção com a própria escrita -
porque acreditar que ela é boa é difícil demais. Eu me pergunto, e queria ter
uma coragem tamanha de perguntar pra você, admitindo até que não reconheço em
mim forças para isso, como os grandes títulos geniais aconteceram.
Francamente,"Essa
loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém", como
isso aconteceu? Como os pedaços de um caderno manchado de vinho surgiram? Como
você colocou todas aquelas salas de estar que sempre davam em cozinhas com
bebidas no Hollywood? Como uma crise existencial vai de um pássaro azul a uma
reflexão sobre merda? Eu não saberia percorrer tanto caminho dentro de uma
literatura assim nem se escrevesse em todo muro que eu encontrasse daqui pra
frente. Eu não saberia enganar tanta gente do século XXI com frases
pseudo-otimistas, soando com uma pessoa que até faz auto-ajuda, para em uma
leitura mais aprofundada revelar que as lamentações de um velho safado nunca fizeram
sorrir, a não ser através daquela risada ácida sobre as piores desgraças da
vida.
Nós podemos conversar sobre as mulheres e
suas formas, e seus corpos, e seus cheiros, e seus jeitos. Nós podemos
conversar sobre as bebidas e seus gostos, e seus efeitos, e suas ressacas. Mas
a escrita sempre vai ser pertinente quando se trata de você. Seu silêncio
eterno vai dizer "Don't try" e eu só queria saber como é não tentar
em uma coisa tão imprevisível, como é não ir em frente até quando não se sabe
se pode sair um texto muito bom ou muito ruim. Que porra você faz na frente da
máquina de escrever? Vira garrafas e escreve tudo o que quer? Fica encarando
aquelas letras, aquele papel, aquela ideia dentro da mente? Eu não sei como, de
todos os resultados possíveis, você conseguiu os melhores, sendo apenas um
fodido na vida. Digo, você não escreveu sobre dragões e deuses mitológicos,
tampouco sobre fantasmas que não fossem a própria consciência e a própria
razão. Você foi o melhor fodido nessa vida toda, certo?
Sei que não ficará por aqui sanando dúvidas,
então, antes que se levante para ir embora e eu precise começar uma briga com
alguém do bar para te fazer ficar mais um pouco, eu só vou dizer uma coisa
qualquer sobre inspiração. Sobre o quanto as duas primeiras páginas de Pulp,
primeiro livro seu que li, mudaram toda a minha visão sobre tudo. É irônico
como logo o seu último livro foi o meu primeiro - e a essa altura já não sei
mais em que época planejo essa conversa toda -, e é um tanto engraçado como
desde então eu nunca mais quis seguir padrão nenhum de escrita. E é curioso
como uma garota de 15 anos lia Charles Bukowski escondida enquanto matava aula
na escola e, sabendo pouco sobre a dor e lendo muito de um rabugento, quis
fazer algo parecido na vida. Anos mais tarde, Buk, eu descobri o quanto o
álcool salva a escrita, na hora ou depois, no porre ou na ressaca, na tontura
ou na ânsia, no fogo ou no banho gelado. Salva sempre. E a escrita salva a
vida, isso eu leio em cada linha sua. Nosso brinde pode ser contínuo: um copo
de cerveja gelada virado de uma vez em todas as vezes que bebermos e pensarmos
em algo para escrever.
Flavia
Andrade
dezembro 08, 2015
O mundo a nós pertence
[Disponível no Wattpad]
Eu o abracei com uma força tamanha,
querendo deixar meu corpo largado de lado para tomar o seu para mim. Parecia,
àquela altura, que ele sabia lidar melhor com seu peso, sem andar se
arrastando, sem querer passar dias inteiros na cama. Eu queria um pouquinho
daquela existência desejada, para variar meu sono de sempre diante de cada
"bom dia" do mundo. Os dias pareciam piorar com o passar das manhãs, fazendo
o sol matinal brilhar como uma risada irônica do destino. Nele, no moço ali no
meu abraço apertado, isso não parecia tão ruim.
Com o rosto afundado em seu ombro, contendo
um choro fraco, pedi para ir pra casa. Minha voz estava embargada e eu tinha
cautela para não manchar sua camisa. Demonstrava o quanto estava insegura
perdida ali na calçada, como alguém deixada para trás, soando como um drama
ensaiado. Afinal, nunca fui de negar comoção. "Mas você já está em
casa", ele me disse na boa intenção de me pedir para entrar e oferecer
minha própria cama com cobertores. Eu não quis, não aceitei. Aquela construção
não me importava, pois eu não me sentia abrigada ali, tampouco sentia que
pertencia a algum tijolo ou móvel. Meu lugar era algum outro que eu ainda não
conhecia, embora quisesse visitar tanto.
Meu pedido de ir para casa queria
significar os desejos mais profundos, ainda que tímidos, de ser acolhida em
seus braços pela eternidade da madrugada. De olhos bem fechados, sentindo os
perfumes misturados em seu pescoço, querendo mais do que me era oferecido, eu
fiquei ali, abraçando-o. Prendendo-o ao meu enlaço desastrado, pedindo
conforto. Não é como se pudéssemos ir para longe encontrar um lugar melhor, mas
não encontrar outra saída me forçaria uma despedida que eu não queria dizer ou
ouvir. Eu queria estar com ele em um cantinho só nosso, e pedir aquilo soava
melancólico demais.
Minuto após minuto, ele não sabia encontrar
uma escapatória para o meu tumulto interno com o qual eu não queria ficar
sozinha. Eu não planejava parecer assim tão dependente, bebendo da sua presença
para anestesiar o que doía em mim sem dó e controle. E, ao mesmo tempo em que
pensava ser um sufoco a mais ao seu dia movimentado, eu gostava de acreditar
que um pouco de mim e do meu desespero emocional lhe servisse para alguma coisa
qualquer experimental, ou para uma prova somatória de pontos meus. Em algo
aquilo acabaria, e eu torcia para que fosse bom.
Eu queria ir pra casa e a chave era dele;
eu queria seguir um novo caminho e era ele quem levava o mapa na palma das
mãos.
Nós começamos a dar alguns passos que me disseram
afagos para o coração, como sinal de que finalmente fugiríamos para somente ele
poderia me levar. Ele que soube ouvir meu grito efêmero e mudo de quem tentava
quebrar cadeados invisíveis. Viu que era naquela calçada na frente daquele
portão que eu não ficava bem, e quis me levar para um canto escondido como um
cleptomaníaco vendo um objeto simples e desejando incontrolavelmente. Eu era
sua pedra não-tão-preciosa que, mesmo não devendo estar sob sua guarda,
brilhava para longe sem deixar rastros. Notando a minha importância, meio
discreta e contida, quis puxá-lo para o meio da rua e dançar a dois, uma dança
inventada e sem som sobre nós, apenas por ter me compreendido.
Nosso caminho poderia, a partir daquela
decisão de me levar embora, ser a descoberta das outras ruas até não restar
mais chão. Eu não me importaria se fossemos tomados pelo cansaço e não
conversássemos mais para poupar os lábios de se moverem. Seguindo dali eu
poderia descobrir palavras até mesmo no vento quente da cidade abafada e ficaria
bem. Ficaríamos bem.
Ele me estendeu a mão direita e pisamos em
sintonia, passo a passo, sem tropeço nenhum. Eu não sabia por onde aquela
construção idealizada de casa tinha ficado, e não me interessava o
esquecimento, pois não queria voltar. A meia-noite se esticou sem receios até
as quatro, as seis, as sete e meia da manhã, quando paramos para tomar café com
leite de um real e cinquenta. Seu efeito de me fazer bem foi crescente,
aumentando da hora em que me encontrou até as horas em que não me deixou
esquecê-lo. Roubando de mim os risos que as flores que cantam em Alice não souberam
roubar tão bem e tirando do meu corpo o que os mantras antes não souberam
aliviar.
Eu me afastei por alguns vinte
centímetros, apenas para enxergá-lo em completude. Obrigada por me levar pra casa, eu agradeci. E talvez, com as
tantas olheiras no rosto, ele ainda não tivesse percebido o quanto rodeamos uma
parte da cidade como se fosse nossa, tomando as ruas, os bancos, as árvores, os
muros, as portas, as câmeras de segurança, os postes, as lixeiras enormes,
alguns carros estacionados e telhados para nós. Fomos donos e empregados do
mundo, ocupando os lugares que nos chamaram e organizando os espaços que nos
transbordaram. Tínhamos ido para casa, finalmente.
Renovada, soltei-o. O sol raiou pra nós sem
rir do rumo que tomamos.
dezembro 03, 2015
Se eu pedir
[Disponível no Wattpad]
Se
você me ligar às quatro da manhã, eu vou atender. Talvez com uma voz mau
humorada e dizendo alguns palavrões que te façam rir, mas não vou rejeitar a
ligação depois de ler seu nome na tela. Porque sei que é insone. Vou saber que
precisa conversar comigo, nem que seja para não fazer sentido e não nos
contextualizar em seus devaneios. Eu sei do grande feito de ter assistido a
todos os filmes que passam na sessão da madrugada e que agora não tem ânimo
nenhum de ligar a tevê, e sei da problemática de não conseguir ler livros
depois que anoitece - porque não se concentra. Então eu atendo e digo uma coisa
qualquer confortadora ou risível.
Se
você me pedir para te acompanhar ao mercado, eu vou. Talvez demore para colocar
uma roupa de sair na rua, talvez antes disso pergunte por que é que você não
vai sozinho, mas acabarei indo. Mesmo descabelada e com a blusa do pijama.
Porque sei que morre de vergonha de falar com estranhos e se complica até para
pedir meio quilo de alcatra no açougue. Eu sei que não gosta de fazer compras
sozinho porque não difere marcas e vira uma indecisão ambulante na sessão de
doces. Então eu encho seu carrinho e te convenço na fila de que é a melhor
compra da sua vida.
Se
você disser que não sabe para onde ir, mesmo depois que eu já tenha entrado no
carro e colocado o cinto de segurança, eu vou continuar ali, esperando pelo
destino ao qual vai me levar. Eu vou confiar em gostar, seja o rumo qual for.
Eu sei que, mesmo sem saber, você sempre chega a algum canto e faz dele o
melhor lugar pra gente. No meio dos defeitos, você tem esse dom de deixar tudo
melhor. Podemos ligar o som, podemos optar por uma única estrada, podemos
amanhecer na rua, e ficaremos bem se formos juntos.
Se você segurar na minha mão durante o show ao qual tentei te convencer a ir por
mais de um mês, eu vou saber que estará querendo ir embora. Não é seu estilo e
não sabe nenhuma letra de cor. Eu vou esperar tocar só mais uma música e vou te
tirar de lá. A gente pode ouvir o mesmo som no seu rádio no quarto, e sei que
no escuro só comigo você vai acabar dançando sem ritmo como nunca faria na
multidão.
Se
você disser coisas sem sentido no meio de um desespero emocional, não precisa
pedir desculpas pela confusão. Eu também sou um tanto assim. Vou olhar para os
seus olhos, porque é a única parte de você que fica calma quando seu mundo
parece desabar, então vou dar um jeito de deixar a gente em ordem. Vou dar meus
pulos pra gente conseguir uns remendos e umas peças novas para nossos corpos
cansados pelo que já foi quebrado.
Mas,
por favor, se eu pedir para confiar em mim como estou pedindo agora, não se
arraste sozinho para os tumultos que sente, vez ou outra, quando se esquece do
quanto importa para um mundo inteiro dentro de mim. Não se esconda para gritar
todo o sufoco que te invadir por inteiro até que não dê mais para manter
guardado. Não chore no meio de um surto claustrofóbico por ter medo de correr
até nossa liberdade. Eu vou estar aqui acompanhando todos os seus jeitos de
deixar o mundo ao contrário, e me virando de ponta cabeça para te ver na mesma
sintonia. Eu vou estar aqui entre as coisas tantas que não te deixam ser só
mais um na minha vida e as outras coisas exageradas que não me deixam te
deixar.
Meu próprio City Lights
Que a cidade me perdoe por encontrar em cada canto, beira e centro dela, muito de você que persiste em ficar aqui sem discrição. Parecendo que sobrou perfume seu no ar ao se despedir com os olhos semicerrados. E que perdoe a culpa das esquinas e dos bares, dos ônibus de número 87 e da praça por me fazerem (re)contar quanto tempo faz que a gente não se vê. A cada dia que passa, além de deixar tudo nosso mais pra trás, é uma chance a menos de ir te buscar, mas os números são só números. Sozinha assim, em meio aos crimes de apego, eu só desejo que minha mão que escreve saiba desculpar meu inconsciente inconsistente que transforma as frases mais banais em textos de poética dos sentimentos exagerados sobre nós. É que a saudade me mete em confusão. E de todas as formas de me perder na rua, o perigo maior é querer te ver outra vez e pegar estrada pra te encontrar. Porque só de estar aqui, a sua falta me empurra ao seu encontro, e eu juro que levo os filmes e os shows gravados daquelas bandas pra gente assistir aí nesse lugar novo que te prendeu. Que a cidade tão nossa, um pouco ciumenta, não chore quando eu for embora também, e guarde com zelo as nossas memórias até que a gente volte para reinventá-las.
Flavia Andrade
novembro 25, 2015
#MeuAmigoSecreto
Meu amigo secreto não gosta de mulher que bebe, mas se aproveita de uma após embebedá-la. Meu amigo secreto é amigo, mas se eu "der mole", ele pega. E se eu não quiser, não é amizade, é o seu pesadelo da friendzone. Meu amigo secreto não se importa com aparência, mas não pega mulheres gordas, altas, e acha que cabelo curto é muito masculino. Meu amigo secreto gosta das minas branquinhas, mas não tem preconceito, longe disso, até já me contou de uma vez que pegou uma "mina de cabelo ruim". Meu amigo secreto é a favor do feminismo e entende que a mulher deve lutar por seus direitos, mas as "loucas peludas" é exagero, mas "mostrar os peitos na rua pra protestar" é vadiação, mas ter iniciativa e sexo casual é ser puta. Meu amigo secreto adora um puteiro, vai nesses locais frequentemente, mas até hoje não entendeu que putas são somente essas que cobram. Meu amigo secreto quer uma mina responsa pra casar, acha um absurdo o tanto de menina que é só pra pegar por aí, mas adora se vangloriar para os amigos com os números de quantas já comeu. "Essa foi fácil". Meu amigo secreto separa mulheres entre as que são para pegar e as que são para casar, mas quando entra em relacionamento sério, trai a namorada, porque "a carne é fraca". Meu amigo secreto não é homofóbico, só acha que não precisa ficar de esfregação em público, e acha tudo bem reduzir a homossexualidade a atitudes de exibição pública de afeto também praticadas por casais hetero. Meu amigo secreto ama sua mulher, mas "em momentos de raiva", "sem pensar", aponta defeitos a ponto de diminuí-la em relação a ele, chamando-a de burra, incompetente e tantas coisas piores. Meu amigo secreto adora "comer com os olhos" as minas que passam na rua, assovia e diz "gostosa", querendo ser ouvido, mas coitado, ele me disse que nunca assediou ninguém. Meu amigo secreto é feminista no facebook, mas na roda de conversa com os amigos já tentou me mandar calar a boca, porque eu sou mulher e não sei dar opinião. Meu amigo secreto não entende, sequer, o sentido das palavras que diz, das ações que pratica e das babaquices que comete.
Toma meu presente pra você, fofo.
Flavia Andrade
novembro 23, 2015
O caminho sem fim
[Disponível no Wattpad]
Deixou a chave no
carro e o motor esquentando - tal como a cabeça. Somente estar ali já lhe
causava um sufoco gritante, desses que não o deixam pensar em muita coisa que
faça sentido, deixando-o meio atordoado. Os pés formigavam e as mãos suavam. O
caminho percorrido entre a abertura da porta do veículo e as batidas firmes na
porta da casa da mulher passou como dois segundos de blackout. Mas lá estava ele,
supostamente forte e estático, parado em frente a entrada, encarando o número
dezesseis. Balbuciando o discurso que ensaiou botar pra fora logo que fosse
recebido por ela. Não olharia em seus olhos para não ser perder, não repararia
nos seus lábios para não desistir de desistir, não faria nada além do
planejado.
Os olhos se abrem
e, na verdade, ele ainda está no carro.
Tira a chave da
ignição, sente tudo desligado e silencioso - dentro e fora. Não há som algum às
- ele não sabe que horas são. Acende a tela do celular, tenta se acostumar com
a luz e vê: três e sete da manhã, às três e sete da manhã não há som. Desce do
carro, caminha vagarosamente até a entrada prestando atenção a cada passo, como
se um fio interligado entre ele e a moça o puxasse. Para de frente à porta e de
si parecendo quem sai do próprio corpo querendo expandir a perspectiva, e com
um pensamento distante a encara, toda feita de madeira, por alguns minutos.
Como um milagre, alguma luz dentro da casa acende, remetendo-o ao clarão do
celular em suas retinas e imagina os olhos castanhos lá dentro tentando lidar
com a iluminação repentina das lâmpadas. Ele não pode encarar aquele olhar.
Ouve passos se aproximando e prepara o discurso, respirando fundo.
É como se todas as
casas da vizinhança o espiassem, vendo-o daquele jeito meio besta de tentar
tomar uma atitude decisiva. O tempo não quer passar.
Seus olhos se abrem
novamente, dessa vez em um estalo, meio apavorado. Ainda não se moveu no banco
do carro. Ele se ajeita e sente com as mãos - como uma criança exagerada - o
coração bater desesperadamente no peito. Sabe que na imaginação ou em um sonho
acordado, nada do que está acontecendo pode se resolver. Ele precisa sair dali
e encarar o que há de pior antes que seja tarde. Precisa de coragem.
- Olha, eu só
queria dizer que eu desisto. Pra valer.
- Olha, eu só
queria dizer... eu desisto, pra valer.
- Desisto! Desisto!
Desisto!
- Olha, desisto.
Digo, pra valer, eu desisto.
- Ei, tô
desistindo, viu? Sério, já foi.
- Olha, você já
desistiu? Porque eu estou planejando desistir.
Cada frase que ele
tenta dizer para o nada, a fim de ensaiar, funciona como todas as vezes em que
ele já desistiu dela, deles, de tudo. A cada dia, vinte ou trinta desistências.
A cada desistência, um novo plano para voltar atrás. É tão difícil se desatar
de alguém, que a liberdade que você costumava sentir ao lado da pessoa passa a
soar como uma prisão. Como ir embora e deixar tudo o que já foi bom para um
passado remoto? Como não se dedicar a cumprir até o fim as promessas feitas?
Mas pra ele, justo
ele, as questões têm mais força. Desistir dela e deles dois, é desistir da
única coisa que lhe restou para tentar levar para o resto da vida. Acima disso,
não há mais nada. E não é como se pudessem reajustar a situação, tampouco
recomeçar. O fim é um decreto de forca, mas caminhar até ela tem sido mais
doloroso que o próprio enforcamento. Talvez pela demora, pelo drama, pelo
suspense. A procrastinação das maiores decisões de sua vida se torna a causa de
desassossegos.
Os olhos reabrem.
Olha em volta, vê
tudo escuro, vazio e taciturno. Ele fala sozinho.
- É fácil, você
consegue, vá lá.
Fala consigo, fala
com outro ele dentro dele que lhe atormenta. Treina
o discurso, parece muito agressivo. Treina a fala, parece muito calma. Sem
palavras difíceis, sem repetir muito "você". Um beijo de despedida
pode ser o melhor a se fazer, mas e a explicação? Ao fim, deixa a chave no
carro e sai. Parado, aguarda um roubo, um assalto a mão armada, só para ter uma
desculpa realmente boa para estar ali.
- Fui roubado e sua
casa era a mais próxima.
- Aproveitando que
estou aqui... Podemos parar de nos ver.
Ele resmunga. Até
os ladrões com suas armas estão dormindo, e ele está inquieto sem se mover,
tentando dar fim ao que não sabe viver sem. Finalmente para em frente a casa
dela, fisicamente, e recupera memórias dentro de si.
- Desiste.
- Não posso.
Não pode.
- Sem chances.
Então, em completo
desespero, com o coração querendo rasgar seu peito, volta para o carro não
roubado, liga-o, ferve a mente, e vai embora. Hoje não é um dia favorável para
pontos finais, diz em voz alta. Liga o som.
"Desculpe,
estou um pouco atrasado, mas espero que ainda dê tempo de dizer que andei
errado e eu entendo...". Nando Reis teve coragem.
Porra.
Amanhã ele tenta,
ele jura que vai tentar. São só duas semanas fazendo essas visitas todos os
dias, são só duas semanas com o mesmo CD no carro repetindo a música de sempre,
são só duas semanas sendo um só numa cama, um só numa madrugada vazia, um só
num carro não roubado, um só com tanta coisa para dizer. (Acontece que ela foi
embora justamente porque disse seus tantos primeiro, sem medo). E ele fica ali,
preso ao seu próprio corpo e mente, preso a ela, preso ao que sente.
Olhos-doidos
São os olhos-doidos que me confundem, como se tivessem efeitos instantâneos de drogas caras. Ele segura seu copo de uísque e gelo na mão esquerda, leva-o à boca, dá um longo gole e me olha com as cores castanhas escuras, perfurando meu bom-senso. Eu sei que ele está enlouquecido, sem transparecer para ninguém além de mim. Antes eu não conseguia ler seu drama patológico no olhar, mas agora sei de cor como ele demonstra. Nenhuma outra pessoa pode ver, somente eu, que não sou mais enganada. Talvez eu tenha os olhos-doidos também, mais fortes que os olhos-tristes, mais profundos que os olhos-foscos. Meu uísque não tem gelo e fica na mão direita, a gente se completa. Eu atraio sua loucura, como se não houvesse nada melhor para mim. Esperar o pior é esperar por nós dois.
novembro 20, 2015
Autofuga
Disponível no Wattpad
Tive que ir embora. Eu gostava de estar ali com ele, gastando todo o tempo que eu não poderia ganhar sem sua companhia. Perdíamos horas e horas juntos entre frases que significavam três ou quatro coisas de uma vez e olhares que faziam mil apelos. Mas ele, com seu charme de homem quase-resolvido da vida, não era só, e não era meu. Sua liberdade estava atada a outra, não completando minhas lacunas livres. Ela apareceu, o outro eixo da vida dele. Eu levantei e não soube me despedir, perdi a voz - talvez um pouco de adrenalina-melancólica corresse por mim. A felicidade ficou na minha marca de batom em seu copo de vinho, camuflando-se em saudade logo que saí.
Eu andei pela rua sendo um corpo invisível, motivada pela vontade de desaparecer, querendo ser um ponto de localização roubado do mapa. Mas ninguém poderia, nem iria, me roubar dali e eu precisava seguir em frente. Já fazia alguns minutos, quase meia hora, que havia saído da casa dele, e agora tentava chegar até a minha. A cada passo lento e sem som, sozinha, eu subia pelo meu caminho, sentindo a humilhação tomando meu corpo por inteiro. Estava devastada como uma árvore caída no meio de uma tempestade, uma árvore que não poderia nunca mais ficar de pé e nem bonita para ser admirada. Ia daquele jeito como se rastejasse, humilhada por ter sido encontrada no flagra ao lado dele. Justo dele que não era e nunca poderia ser meu.
O dia ia bem enquanto era somente de nós dois. Quando ainda só existia eu e ele, conversando sobre o que não tínhamos certeza, adorando nossas dúvidas, e incompreendendo o que há de mais lindo para não se entender. Éramos, àquela altura, cúmplices de um crime semi-perfeito. Sabíamos o quanto era errado nos render aos nossos encontros e falar sobre o que não tínhamos coragem de falar com nenhuma outra pessoa. Não poderíamos ser tão completos daquele jeito que acontecia, como peças se encaixando perfeitamente, pois não era de nossa obrigação nos pertencer. Ele já tinha alguém para amar, alguém que não era eu. Enquanto eu, sem ele, já estava certa de não amar mais ninguém. O que fazíamos juntos ali? Arriscamos tanto, talvez pela vontade incessante de nos ver tão perto, que fomos encontrados.
Quando ela chegou, ela que era dele, deixei meu espaço vazio ao seu lado, de cabeça baixa, com coração murcho e olhos marejados. Mal consegui olhar para a moça que nos descobriu. Conversávamos, antes dela chegar, sobre tudo o que eu sei que ela nunca poderá saber. Confessávamos nossos maiores medos, tais que ele, ele que é meu amor-confidente, nunca revelará para essa outra. A cena por um momento parou e nos tornamos um quadro de três pessoas desencontradas, com olhos procuradores, profundos, querendo um par. E ainda que eu seja seu porto-seguro, é ela quem chega para ficar e passar a noite. Eu não pude ganhar nada, fui o resta-um. Ali no meio daquela culpa inconveniente, metade de mim se perdeu. Eu deixei esse pedaço meu para trás, na pressa de sair correndo até alcançar meu caminho torto, corrompido, atravessado.
Na rua os meus lábios eram atacados pelo vento frio e perdiam a maciez a cada segundo. Meus lábios que não teriam chance de encontrar os lábios dele novamente e não queriam encontrar outros alheios. Meu rosto ficava cada vez mais pálido, pensando nas bochechas coradas da menina que ficou na casa sorrindo. Eu queria, a cada segundo, e desejava, a cada milésimo, não ser mais ninguém, não existir, não ser vista e nem notada, não ter chances. O apelo do meu "não" ecoava, ressoava em vão, pois eu continuava vivendo e precisando buscar descanso sob meu teto.
Quando pensei que havia sumido, finalmente, ao adentrar com tamanha força nos meus pensamentos desesperadamente exaustos de imaginar a continuação do que deixei para trás, algo me surpreendeu. Era no meio de uma rua a minha localização. Eu era um ponto trôpego errando a direção dos passos, desastrada. Eu senti olhares pousando em mim, no meu corpo, no meu rosto meio molhado, na minha áurea magoada. Eles estavam me olhando. Cerca de sete ou oito pessoas sentadas no meio-fio de uma esquina. Todas elas não perdendo o foco sobre mim. Nem meu casaco cinza e minha calça escura puderam me fazer passar despercebida.
Eu fiquei exposta. Sem defesa.
O frio batia desde antes, até quando ele tentou me aquecer sem nem mesmo me tocar, mas a partir dali senti um vento gelado bem mais forte, fazendo partes minhas tremerem. Eles ainda me olhavam. Eu que era pura incompreensão e não sabia qual o meu lugar além daquele rumo. Eu que era somente um sentimento indeterminado. Eu que não tinha nada mais do que uma falta enorme de ser alguém e ter alguém para mostrar. Olhavam curiosos, talvez com pena.
Eu me esqueci de onde deveria parar, para onde deveria ir, e apenas continuei andando. Um pouco mais rápido dessa vez. E, de tão exposta ao passar por todas aquelas pessoas, andei falando sozinha pelas outras ruas. Minha voz que havia sumido, começou a se expor sem meu controle. Fiquei fora de mim, em todos os sentidos da frase. As confusões estavam sendo colocadas ao meu redor e eu sem conseguir calar a boca. Resmungando sobre mim, sobre a vida. Não estava me aceitando daquele jeito. Reclamava sobre os extremos aos quais costumo chegar, e também lamentava sobre ele, por ser justo a causa da minha loucura. Logo ele que andava tão próximo de mim nos últimos dias e me fazia esquecer dos meus acessos paranoicos.
Metade de mim, a que havia ficado por lá, sabia que só um resto de vinho não seria o suficiente para nós, pois logo que a garrafa ficasse vazia, teríamos que nos deixar. Enquanto havia bebida, havia motivo para pedir mais uns minutos ao acaso para estarmos juntos. A outra metade, que era aquela andando sem destino pelas ruas mais mortas daquelas horas tardias, sabia desde o início que o dia não acabaria tão cedo e tão bom, pois um dia após o outro nunca é igual. Em um dia a gente é feliz pelo resto da vida, em outro a gente nem quer viver. Minha voz, em completo descontrole, dizia: eu queria mais um pouquinho daquele nosso dia bom para aguentar passar por todos esses dias ruins que virão.
A sorte da eternidade
Somos um pedido de socorro não gritado. Sussurramos no meio da noite com as cabeças em nossos travesseiros, embargando o choro. Do que precisamos é um e outro, um do outro, um no outro, um com o outro; precisamos dessa junção de dois em uma cama pequena ou sofá largo, sem que nenhum de nós implore, no sufoco, por socorro, por sossego, por afago. Nossa eternidade não soa tão boa se estamos abaixo d'água afogando, sabendo que o tempo bom e duradouro está na superfície e só o alcançaremos ao respirar. Precisamos de um ar qualquer ao sair daqui. Batemos nossos braços e nossas pernas e nadamos e nadamos e nadamos, querendo fugir do mar que adentramos buscando águas salgadas que não fossem lágrimas, para que não víssemos as marcas borradas em nossos rostos. Eu te escuto, além da voz repetitiva acusando nossos erros, eu te escuto. Vou emergir e te buscar com as duas mãos, te trazer para o meu abraço outra vez, eu prometo e depois disso, depois de uma longa respiração, de uma tosse que bote pra fora toda a água engolida, toda palavra guardada, todo sentimento contido - um despejo de tralhas -. Quando vier a leveza, meu bem, estaremos juntos como desejamos nesse sono, nesse sonho, nessa sorte nossa.
Flavia Andrade
novembro 18, 2015
Necessário
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— Do que mais você precisa? — você me pergunta com todo o ar de superioridade.
Eu só sei do que já aconteceu e do
que precisei enquanto você ficava ao meu lado fingindo que estava ali para
alguma coisa. Eu precisei ter duas gripes, ir ao posto de saúde por obrigação,
receber a medicação de sempre em ambas as vezes e não te encontrar para me
buscar na saída. Precisei levar o irmão mais novo da minha amiga para passear,
me irritar com as crianças e não te ver nas redondezas do parque. Precisei
limpar a casa inteira quando a visita ligou dizendo que chegaria em dez
minutos. Quase uma surpresa! E te vi aparecendo depois com mais inconveniência
que aqueles viajantes. Precisei organizar uma festa surpresa no seu
aniversário, mal agradecido, que depois nunca me deu presentes. Precisei
reprovar duas vezes no vestibular e desistir de uma faculdade depois que
finalmente passei, até aí foi só para aprender a não esperar muito das coisas
que acho que vale a pena esperar. Então precisei esquecer a carteira e só
perceber isso na porta da boate, quando eu não a encontrei para pagar minha
entrada, e precisei aceitar ajuda do cara estranho que passou a noite inteira
tentando me beijar como retribuição dos vinte reais de open bar. Depois
daquela noite, precisei torcer o pé na entrada da sala do gerente, no dia da
minha entrevista de emprego e aprender, na raça e no imediato, a controlar o
nervosismo com uma piada. Precisei chorar cinco ou seis vezes por você, depois
de tudo, até decidir seguir em frente e depois desabar em choro mais uma vez,
só para matar saudade. Precisei pegar o ônibus errado duas ou três vezes,
dormir no ônibus certo e passar reto pelo meu destino, e enfim notar que eu
ficava perdida demais sem seus pseudo-cuidados. Aliás, sobre o destino, eu
precisei andar por todos esses caminhos tortos para numa sexta-feira de manhã
decidir ir à padaria comprar pães doces e te ver. E você me ouviu até agora? Eu
já tinha passado por todas essas coisas desastrosas. Precisei me apaixonar por
você outra vez, como me apaixono por quase todo cara com um sorriso bonito que
não sei o nome. Mas mais intensamente. Precisei ouvir um oi. Como da primeira
vez, precisei te conhecer melhor e te ligar duas vezes por ansiedade de te
encontrar. E precisei desejar profundamente o recomeço de tudo.
— Eu sempre fiz tudo
por você, do que mais precisa? — e você está perguntando outra vez,
irritado.
Esse seu tudo me deixou tão vazia,
que custo a acreditar. E por agora, eu precisei pensar em como eu era antes de
você. Precisei dizer que precisava fazer o que eu costumava gostar de fazer,
sem me importar com qualquer interferência, nem que eu fosse a única jogadora
acertando a bola no gol vazio. Eu precisei dizer vinte vezes o quanto não gostava
de flores e receber uma rosa no dia do meu aniversário. Eu precisei ir à
psicóloga desabafar sobre você não ter aparecido no aniversário do ano
seguinte. Precisei dizer a minha família que estávamos bem, mesmo sentindo uma
dor incômoda no fundo do peito, coisa de quem mente sobre sentimentos, coisa
clichê de sofreguidão. Eu precisei receber três ligações estressantes até parar
de atender. Precisei sair para espairecer e entrar outra vez na padaria para
comprar pães doces e sair de olhos fechados para não conhecer mais ninguém,
para não me apaixonar outra vez. Precisei ter medo do amor. Eu precisei avisar
a mim que tudo deveria ter um final, pois sempre sou a última a saber do que eu
realmente quero e a primeira me frustrar com esses quereres pela metade.
Precisei não te ver mais, evitar seus pais, seus amigos, seu local de trabalho,
sua universidade, sua rua, seu carro, sua músicas preferidas, os filmes que viu
comigo, o cinema do shopping, e uma
vida inteira dentro de pequenos acontecimentos. Precisei ouvir essas suas
perguntas para buscar respostas, explicações, dizeres e ver o tanto que já foi
necessário nessa minha existência para não me render mais.
— Eu preciso achar caminhos certos dessa vez. —
Respondo, por fim.
Você precisou não entender
coisa alguma para compreender que não sou mais quem você conheceu. Que, na
verdade, nunca fomos quem achávamos que éramos. Que apenas precisávamos ser
aquilo para não desistirmos tão cedo. Mas as necessidades se descarregam depois
de tanto tempo acumuladas e o que era preciso se esvai. Não precisamos mais de
nós.
— Certo.
— Boa noite. — Me despeço.
— Boa.
— Boa sorte. — Digo.
— Obrigado. — Você diz e anda para fora da casa, da
minha vida, de tudo o que foi necessário para aprender mais essa coisa curiosa
sobre as pessoas: só sorriem enquanto você dá a elas o que precisam.
novembro 16, 2015
Ser
Ser. Seja o que for, nada se priva. Somente ser. Isso é uma puta sobrecarga psíquica. Ser é excesso, sobreviver é demais. Too much. É muito. Mais do que controlável. Viver é exagero de poucos.
Eu, com acréscimo de você.
Disponível no Wattpad
Eu não vou falar nada, viu? Até queria ter uma notícia pra te trazer, como avisar que é alguma data especial que você esqueceu, mas acontece que hoje é dia nenhum de importante, e os dias em que te amo não contam pra nada. Eu declaro meu amor com a mesma frequência que você faz café, de manhã e de tardezinha, com fervura e filtrado. Mas, por ora, só quero sentar aqui ao seu lado e não conversar, pois a intenção de hoje não é te fazer feliz, é me fazer completa, é estar no seu aninho.
Eu até poderia tentar narrar uma história nova desse mundo que ninguém ainda te contou, mas só tenho mais do mesmo, como as músicas que só decorei depois que você enjoou e as notícias repetidas que vemos nos telejornais. Eu poderia inventar uma auto-ficção na sua frente para te distrair. Acontece que eu vim até aqui sem ter porquê, e mesmo que eu tentasse inventar uma razão maior, não faria sentido algum. São coisas sentimentais.
Eu andei até tua casa e parei na frente do teu portão, bati palma, disse que passei sem avisar mesmo e que não me importava de não ter nenhuma bebida na tua geladeira. Nem estava com sede, afinal. Fiz pouco caso, como se não fosse um grande acontecimento pra mim. Sentei no teu sofá educadamente, diferente do meu que piso com os pés sujos. Agi desse jeito porque do meu jeito mesmo não dá pra agir, seria difícil aceitar. E agora aqui estou, há mais de quarenta minutos em silêncio com você. Não que isso me deixe aflita ou incomodada.
Eu vejo o quadro próxima da janela, o berimbau e o agogô pendurados na parede branca e o único violão que gosta de tocar no chão escorado na sua mesa de desenhos. Dou risada da sua bagunça espalhada e sinto umas lágrimas beirando os meus olhos, querendo cair, sem vergonha nenhuma. Então, com o rosto ficando molhado, fico constrangida. Disfarço, bocejo, digo que meu sono me causa umas reações estranhas. Você nem liga. Essa mistura de riso e choro é efeito seu, mas tudo bem. Eu estou aqui, aquecida por sua aceitação, por me deixar permanecer nesse espaço, sem me mandar embora.
Eu te ouço falar sobre as contradições da vida, sem saber como o assunto veio à tona. Eu sei que essas coisas não passam, tampouco são esquecidas, mas justo agora? Poderíamos conversar sobre a água em Marte, sobre o retorno de considerações sobre Plutão, sobre qualquer constelação com um nome bonito. Desculpa, eu não faço sentido nenhum e a verdade maior é que aqui por dentro estou ficando um pouco mais louca. Desatenta ao que é comum e fixada nos detalhes mais estranhos, como o seu sorriso meio torto quando me viu, ainda que eu não saiba se foi realmente por me ver. É que em cada estranheza desse mundo, eu tento encontrar qualquer coisa que me diga que fomos feitos para ficarmos juntos. Tenho pouco sucesso.
Você diz que as mulheres sempre são loucas, que elas gostam de te confundir. Eu só quero levantar - sendo louca também, ir para o meio da tua salinha de estar e dançar aquela música que parece a nossa história de relacionamento quase inexistente. Quero dançar pra ver se assim você repara. Mexer os braços e as pernas bem na sua frente, sugestiva. Gesticular de corpo inteiro. Só que assim eu seria descontrolada demais e, tudo bem, nesses últimos meses aprendi a manter um controle disfarçado. É o que parece ou o que deveria parecer.
Eu vejo que os cães e os gatos, os policiais e os ladrões, os cafetões e as putas, as sogras e os genros, os estereótipos e as desconstruções, todos estão em paz. E nós estamos? Pois somos tão opostos quanto todos esses, e somos os únicos que eu não consigo entender. Você não me botou pra fora, mas você não me pediu pra ficar. Eu não te dei todos os abraços e beijos que queria dar e não soube dizer o que queria logo que cheguei. Mesmo assim, estamos parados vendo a vida correr depressa e não nos apressamos. Temos nossos tempos particulares, não olhamos para o relógio. Uma hora nossos quereres, nossos desejos, nossos sonhos podem acontecer.
Eu peço pra botar uma música pra tocar, sugiro até que seja aqueles blues que gosta de ouvir. Não me importo com o que seja, somente que goste. É basicamente o resumo dos meus sentimentos, não é? Não importa o que eu sinta, somente que você goste de mim também. O gostar está implícito nos meus exageros emocionais, está sendo gritado, como apelo do meu corpo e alma, através do que não digo. E, por agora, sem palavra alguma, sou somente eu, com acréscimo de você.
novembro 15, 2015
Mensagem
Acabo de escrever um novo texto sobre você. Recebo uma mensagem sua. Você quer saber se eu estou bem. Vê? São quatro novos parágrafos, sem introdução, tampouco conclusão. São palavras e palavras de desassossego, de sufoco, de saudade, e você me aparece numa tela querendo saber, supostamente, como eu estou. Eu poderia mandar todos esses textos de uma vez, eu poderia realizar uma ligação telefônica e narrar minhas prosas. Eu poderia mostrar minha loucura, esperando que você enlouquecesse também. Nunca fomos aptos à sobriedade, afinal. Contudo, eu fico aqui em completo silêncio, quase atravessando as paredes e muros, querendo desaparecer entre os tijolos e o cimento, desejando não ser. Não ser mais ninguém. Não ser essa que uma vez te conheceu e nunca soube como esquecer. Essa que não entende porque, entre tantas primeiras frases, a primeira frase que você disse a ela, essa garota que sou, é inesquecível, é uma voz renitente repetitiva na cabeça. São textos, são muitos, e mesmo assim, não superam a velocidade inquieta e frequência de pensamentos. Livros não poderiam superar. Um romance, uma auto-ficção, uma biografia, nada poderia superar. Porque eu penso demais em você, a cada minuto. Eu penso tudo o que você se poupa inconscientemente de pensar. Eu respondo a mensagem. "Sim, estou". E cada verbo, substantivo, adjetivo, vírgula e ponto final do meu último texto nega tudo, nega minhas duas únicas palavras, porque esse excesso não vem me fazendo bem nenhum. "E você?". Eu espero que esteja melhor que eu - perdida nesse desastre no qual me colocou.
novembro 13, 2015
Camaleão por fora, Blues por dentro
[Disponível no Wattpad]
Ela está de short jeans rasgado e
sutiã verde com rendas, dançando alguns blues
que tocam em seu rádio amarelo à pilha. Pela janela a cena me desperta
recordações das festas a dois que fazíamos dentro de seu quarto alaranjado
quando chegávamos bêbados e não queríamos parar, tampouco dormir. As noites
quase mortas de Campo Grande eram como noites em Paris quando estávamos juntos,
uma Paris sem cadeados. Nunca fomos de corromper nossa liberdade. Eu me lembro
da sua voz embargada me jurando amor e drama, prometendo que pelo resto de sua
vida com pulmões e fígado arregaçados estaríamos juntos, mesmo que não
soubéssemos pertencer a ninguém. Ela dizia besteiras e me convencia de que era
o melhor que eu poderia ouvir. Agora somente ouço seu som sem o meu.
Dentro da
geladeira tem vinte e duas garrafas que ela comprou com todo o dinheiro que
sobrou no fim do mês e ficou em sua calça. Nem todo o álcool do meu cantil de
bolso e o álcool em gel nas minhas mãos superaria o seu estoque de cerveja. Eu sei
disso porque a vi no mercado e não consegui voltar pra casa, fiquei contando
cada item de sua cesta para não correr o risco de buscar seus olhos pretos e
perder meu auto-controle de não dizer nada. E dentro do meu carro, na semana
passada, ela esqueceu a carteira com alguns trocados e não vai pedir de volta.
Eu penso em usar como desculpa para ter voltado aqui, para bater palmas no
portão em outra tentativa de entrar e ser o melhor que posso.
Seus
dedos estralam no ar, os pés pisoteiam o chão e a cintura segue um ritmo só
dela, transparecendo despreocupação com tudo o que há fora de sua zona de
conforto. Não que sua vida ali dentro seja tão boa. Os olhos estão fechados e os
cílios pintados de rímel azul brilham refletidos na luz da sala de estar,
sentindo a brisa leve que passa por mim até alcançá-la. Seus cabelos presos com
fios soltos me impedem de continuar e eu paro na sua calçada, olhando-a com
nostalgia. Nós fomos tudo o que pudemos ser, fomos tanto que não suportamos. Ela
segura uma lata vermelha de cerveja gelada, equilibrando-a no meio da voz rouca
que grita na música. Joga-se no sofá, ainda às cegas e sorridente. Seu blues salva o meu, sendo as cifras
energéticas que sobrepõem minhas letras melancólicas. Toda a parte ruim de nós ficou
comigo e eu quis fazê-la feliz, deixando a parte boa em sua casa, mesmo assim
de longe, mesmo não tendo mais nada.
Costumávamos ser os melhores quando a vida ainda não era de todo esse
mal, e o que perco a partir dessas semanas sem ela é tudo o que adquiri do
mundo por querer. Com ela eu desejei as (re)descobertas. Os aprendizados de
gramática, Bhaskara e células tronco vieram pela precisão de notas, e eu sei
das guerras mundiais, das revoluções e dos ataques porque assisti a filmes. Eu
escutei sobre dor, sobre as armas e as drogas porque precisava sentir medo e
não me arriscar, crescendo no modo "Papai Noel e bicho-papão". Mas
com ela, e somente com ela, eu quis aprender os significados de amor, da
necessidade de estar com alguém e dos efeitos de madrugadas afora sem pensar em
dias anteriores ou seguintes.
Agora,
ao contrário de todo agora que
escolhi para viver com ela, eu estou no clima sombrio de sua rua, fumando um cigarro
de palha com cara de tédio. Eu sei que é saudade. Eu sei que é angústia. Eu sei
que é vontade de invadir a casa e dizer que eu desisto do babaca que sou para
ser o que ela sempre mereceu. Olhos vidrados, avermelhados pelo controle do
choro. Quero dizer que sinto muito pelas noites em que não apareci e não
expliquei meus motivos, e pelo tanto de vezes que meu carro quebrou no meio do
caminho. Confessar que me arrependo de ter colocado-a em um não-lugar na minha
vida, deixando-a em um abandono disfarçado de abrigo, como se no fundo, no
fundo, eu fizesse algum bem; confessar que minha família queria conhecê-la no
meio de nossa indecência de não nos assumir como casal.
Eu
explicaria por inúmeras vezes sobre como o que sinto é imediato: um sorriso
após ouvir seu nome em todo lugar ou encontrar suas iniciais na logo de uma
marca qualquer. Eu contaria que salvei pequenas partes de mim, como uma mínima
inocência infantil, um pedaço de Pollyana, para que me adequasse ao que ela
sempre teve, para me encaixar no seu livre arbítrio. Diria que nos separarmos é
complicado demais pra mim, pois aprendi a nos enxergar como uma identidade
única, criando-nos como uma pessoinha estranha que por coincidência gostava de
todos os livros do Chuck Palahniuk com toda a força de gostar também de Bob
Esponja e skittles.
À
tardezinha, não sei se é de sol ou de lua como ela, a iluminação é pouca aqui
fora, mas lá dentro ela se move entre todos os sentidos aguçados que tem,
satisfazendo-os na própria boate que arquitetou, sendo um tumulto a sós consigo
mesma.
Ela dança
do mesmo jeito que dançou na minha frente com meia-arrastão e mais nada, quando
ainda éramos felizes dentro de um quarto de solteiro reajustado para dois.
Dança como se pudesse fazer as paredes e os móveis e o ventilador dançarem
também, como se fosse uma cigana com toda a certeza do futuro de sua vida e não
se preocupasse mais. Eu não posso ir embora e pego o celular, sabendo que é um
erro, digito seu número decorado, escuto chamar três vezes no meu ouvido e em
cima de seu sofá, vejo-a olhar para a tela. Número desconhecido, eu tenho
certeza. Não vai atender, não vai atender, não vai atender.
Eu sei
que sou sempre pela metade: semi-embriagado, semi-feliz, pseudo-independente. Enquanto
ela é por inteiro essa loucura que roda e roda e roda por cima do tapete marrom
com os pés descalços sem pensar em mim ou qualquer outra pessoa que não lhe
faça bem. E continua caminhando como se tentasse um equilíbrio em corda bamba
nos pisos verdes de cerâmica da cozinha americana. Eu poderia entender a
distância de nós dois apenas por nos comparar, mas para quem já esteve tão
próximo, todo metro longe é como estar em outro lado do oceano.
Ela atende e sem dizer coisa alguma anda até a
janela de vidro, encontrando-me no portão. "Eu posso entrar?" eu
pergunto, "Por que?" ela quer saber. É só por desejar de novo seu
cheiro de mousse branco de morango na
minha camiseta. "Só quero mais uma conversa". A ligação cai e a
garota de sutiã verde volta a gritar a letra da música que diz alguma coisa que
ela gosta, ignorando o mundo aqui fora e eu bem dentro dela, esquecendo que uma
vez gostou de mim a ponto de me beijar embaixo de águas pesadíssimas de uma
cachoeira. Porque você sabe, essas coisas de amor às vezes dão e passam, porque
a vida tem que seguir.
O tempo
não passa porque seguro uma bagagem enorme e pesada de coisas para dizer,
coisas ditas, coisas para serem entregues e coisas para pedir de volta. Eu me
vejo em outra perspectiva, saindo de mim: estou de fora ouvindo sua voz
desafinada e vendo-a algumas vezes dançar através de umas brechas da cortina
roxa que acaba de abrir para me impedir de enxergá-la. No mínimo, pareço patético.
Eu apenas sei que ainda tenho de dizer que
não sou - mais - como todos os outros, que às vezes realmente bebo mais do que
devo, mas que ela também faz isso e pode me entender. Que erro embriagado e
sóbrio, que sou figura errante sem jeito de melhoras imediatas. Ainda assim,
quero pedir paciência para que me mude. Uma viagem com mochilas, uma saída para
lugar nenhum, uma noitada no banco de trás, não importa, aceito toda resolução
que me altere.
E, de
longe, tão leve em relação ao próprio corpo, eu sei que ela não está sentindo
nada. Não nesse momento. Nós não sabemos o que está acontecendo com um e com
outro, nem com nós mesmos. Nós apenas estamos nessa porra de relação complicada que está acabando desde semana passada
e, enquanto tento remendar, ela fecha os olhos e dança.
Ela está de short jeans rasgado e sutiã verde com rendas, como eu disse que
fica linda, como odiou ser vista da outra vez. "É minha roupa de ficar em casa",
ela disse. A mais bonita. Eu estou aqui parado enquanto ela segue em frente. Eu
estou sem saber o que fazer e, desistindo de estar de mãos atadas, bato palmas
em seu portão. Uma segunda chance pra mim mesmo. Ela abre a cortina e a janela.
"O que é?"
- Eu posso entrar? - eu insisto.
Seu sorriso está desfeito, a música
perdeu o sentido. Eu sinto vontade de pedir desculpas por estragar seu dia, mas
eu precisava fazer alguma coisa. Eu me perco imaginando-a virando toda aquela
bebida gelada. Ela se afasta da janela e fecha tudo novamente. É um jeito de me
mandar embora. Como se já não tivesse tido a mesma atitude tantas vezes. Deixo-a,
cansado e sem meu último cigarro, com sua roupa que me tira do senso-comum para
trás. Eu perco minhas certezas e ela não se importa. Deixo os elogios guardados
e a felicidade de abraçá-la para lá. Um não que não é dito, mas apenas
significado, como uma porta que batem na sua cara enquanto você nem completou
sua frase, dói bem mais. Eu não vou ficar mais implorando.
Ele
está descendo a rua, ele, o outro. Aquele que roubará meu lugar ainda quente. Invadindo
o espaço que eu nunca quis oferecer para mais ninguém. Eu daria um soco em seu
rosto se eu mesmo não fosse um babaca e também merecesse. Eu o imagino tirando
o sutiã verde de rendas dela antes mesmo de elogiar, antes mesmo de analisar o
quanto ela fica bonita nele e no short
jeans rasgado pelo simples fato de fazê-la se sentir extremamente
confortável, sem notar suas pequenas manchas de nascença. Eu o imagino no sofá
com ela. Os dois transando entre as almofadas rosas, sem nenhum sentimento
intenso como o que sinto. Eu nem posso mais sentir. O que sinto é uma raiva
filha da puta em mim e de mim porque eu sou um imbecil.
Eu paro no
fim da rua e olho para sua calçada. Ele está na frente da casa dela, ele está entrando
na casa dela, ele está fechando o portão da casa dela. Tão simples. Eu não pude
entrar, eu não pude ficar e dizer que ela é minha. Ela não quis me esperar para
consertar tudo novamente e refazer nossa liberdade francesa a dois. Bebo no meu
cantil cinza e sigo em frente voltando cada vez mais para trás da vida, indo
cada vez mais para longe dela.
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