Estive sem coragem de
escrever, porque somente descubro os sentimentos reais frente às imaginações
todas irreais quando não há mais outras palavras para acrescentar e outra
sentença para ir além. Estive morrendo pela casa, morrendo em um sentido geral
de desaparecer, ou ao menos tentar. Morrendo pelo esquecimento, embora a mente
estivesse sendo preenchida de memórias. Memórias boas, memórias ruins e
memórias de momentos que nunca aconteceram.
15:47 agora.
Às 15:45 eu ainda
vestia o vestido de ontem, o vestido de sexta-feira, o vestido comprado em
Santa Catarina em umas dessas viagens das quais me arrependo. Um vestido de
vinte e cinco reais, azul escuro, com estampa de pássaros pretos. Pássaros
voando pelo azul, como se voassem à noite. Pássaros libertos e eu ali tão
presa.
Na sexta-feira eu quis
encontrá-lo. Eu iria encontrá-lo. E seria no meu canto, perto da minha casa e
com os meus amigos em uma noite regada à vinho de cinco reais e oitenta
centavos. Foram dez vinhos, eu enviei a foto deles no carrinho de compras do
supermercado. Ele tinha dúvidas sobre aquela noite, querendo saber se poderia
me abraçar na frente das pessoas que estariam com nós, provavelmente bêbadas e
cantando. Ele poderia me beijar, ele poderia me tirar de lá. Passar a noite de
braços cruzados nunca foi o plano. Eu permiti, do meu jeito pouco didático.
"Sim, cara", eu disse.
Eu mal me recordo quais
foram as desculpas. Eu estava lá com o vestido azul de pássaros e cheirando à
mousse de morango pelo corpo inteiro. "Estou cheirosa?", eu perguntei.
"'Tá pra caralho", meu amigo respondeu. "Gostou do meu
vestido?", eu perguntei. "Eu já ia dizer... Eu adorei", meu
amigo respondeu. Era tudo por quem estava por vir. As desculpas não importaram
tanto, o que significou foi o seu lugar vazio, ainda que eu nem tivesse trazido
sua cadeira ainda (talvez porque desde cedo, com meu pessimismo covarde, já
acreditasse que ele não viria). O que significou não foi palavra nenhuma dele,
foi apenas sua ausência.
E eu bebi. Entornei
taças e garrafas. E com o emocional abalado, e com uma saudade enorme, vomitei
na pia do banheiro do ex-bar do meu amigo e lavei a pia jogando água da
torneira ao redor. E ao sair peguei uma garrafa de água. E dormi na cadeira. E
escorei no ombro de outro amigo. E escorei no ombro de uma semi-desconhecida. E
mal vi outras pessoas chegarem. E fui a primeira a ir embora, depois que alguém
quebrou uma das minhas taças. Eu dormi sentindo falta dele e sentindo falta de
quem eu era antes dele. Esse alguém não vomitaria tanto vinho e saudade.
Eu não quis encontrá-lo
no sábado, preferi dormir. "Eu vou dormir porque assim não faço
merda", eu disse para o último cara por quem fui apaixonada e que agora é
meu mais novo amigo. Ele se identificou com isso. Muitas vezes erramos igual.
Muitas vezes estamos nos afogando no mesmo tipo de relação conturbada. Ele me
vê errando por aquele que não apareceu e tenta me mostrar o pior que pode vir
enquanto eu não fugir disso com toda pressa, mas ainda não quero fugir.
O domingo foi de
promessas. Eu as recebi deitada na cama, ajudando a alimentá-las. Ele estava
mandando incontáveis mensagens buscando maneiras de elaborar um novo encontro e
dessa vez, com certeza, ele apareceria. O medo maior era que eu não pudesse
fazer minha parte. Eu teria que mentir para onde iria, porque contar que sairia
com um desconhecido seria motivo para ser segurada em casa. Eu falei com os
meus amigos e fiz os planos, até buscando lugares para que nós dois pudéssemos
ficar a sós nesse bairro pequeno. Iria dar certo.
Às 20:20, eu estava pronta.
Com os mesmos amigos, no mesmo lugar, com o mesmo vestido. Tinha alguma
vergonha em mim, uma pequena timidez, por estar na frente daquelas pessoas por
mais um dia, com a mesma roupa e perfume, esperando pela mesma pessoa. Minha
voz bambeava e eu não quis conversar tanto. Mas eles olhavam para mim e eu
estava sorridente, radiante.
Minutos depois, depois
de um breve sumiço, mensagens dele chegaram.
Eu não quero pensar nas
desculpas, porque mais uma vez foi sua ausência que marcou. E dessa vez veio
junto uma vontade enorme de chorar ali com eles, eles que estavam comigo me
vendo repetir a história. Com os mesmos amigos, no mesmo lugar, com o mesmo
vestido. Sua segunda chance de colocar as mãos por baixo do meu vestido e
provocar os efeitos que somente ele sabe provocar, sua segunda chance se
esvaiu.
Foi um pouco diferente.
Eu não dei mais atenção às mensagens, somente às músicas que tocavam em nossa
roda de cinco amigos. Ninguém estava tão feliz. Meu rosto me entregava mais que
os rostos dos outros.
Eu fiz uma piada. Eles
não esperavam e riram o mais alto que puderam e alguns jogaram seus corpos para
trás e para frente para rir em suas cadeiras. Eu também fiz isso e abaixei o
rosto algumas vezes, apenas porque no meu riso todos, meus olhos quiseram transbordar
lágrimas. Eu não sabia como parar o riso sem derrubá-las e estava com uma
vergonha gritante em mim. Quando pararam, parei e tornei a olhar para a
pulseira de três pedras azuis claras que eu segurava na mão, concentrada nas
linhas dela desde que recebi aquelas desculpas. Eu tentava fazer um nó e nas
tentativas me perdia em pensamentos. Pensamentos que não diziam nada, apenas se
tumultuavam e acompanhavam as vozes de fora, das outras quatro pessoas
conversando sobre qualquer coisa que eu não queria tanto conversar.
Quando voltei para
casa, quis ler mais mensagens, mas não as tinha. Antes que o impulso de mandar
qualquer coisa a ele me tomasse, às 23 horas em ponto, dormi.
16:10 agora. Nada dele.
Mas hoje, quando
acordei, tinham mensagens de 23:05, 23:06 e 23:07. Ele se sentia culpado e com
alguma dívida sobre mim, ele prometia me recompensar pelo desencontros de
sexta, de domingo e de todos os outros dias. Eu li, reli, eu continuei lendo
até as onze da manhã, quando respondi finalmente. Mas já não valia de nada. Não
valia como as promessas deixaram de valer também. Não valia para me acalmar.
Não valia para sossegar o drama dentro de mim. Não valia para conter esse choro
que tem medo de vir. Não valia para explicar aos meus amigos que ele não é
assim, tão ruim quanto parece. Não valia porque o rompimento de todas as
expectativas criadas por ele mesmo foi mais doloroso do que deveria ter sido.
E, pela milésima vez desse mês, eu digo: eu não sei lidar.