Você pode saber que roubou outra parte de
mim outra vez quando sai da minha casa se sentindo bem. É assim que
funcionamos, meu bem - não tão bem.
Quando me deixa desolada desejando nunca
ter olhado para a luz do dia, quando me esquece no sofá, abre o portão e volta
para o seu lugar sem pensar no que me restou, quando não olha para trás porque
não sente remorso - porque é fácil botar a culpa em mim, bom, você pode saber
que deu certo. Se você vai bem, eu vou mal, e continuamos. Eu fico recolhida no
mesmo canto onde se despede de mim, fico perscrutando por motivos que expliquem
as coisas ruins e repetitivas que nos acontecem e, para (não) variar, não chego
a lugar nenhum.
Até penso em liberdade. Então, corto o fio
do telefone e da internet, pego de volta a chave reserva, devolvo as marmitas e
os copos, jogo fora os presentes e, no meio de outros detalhes, enfim sem você,
me sinto presa. Amarrada a esse precisar todo. Precisar de você arrancando
minha pele até me deixar em carne viva. Porque aí existe vida.
Contudo, se te faço se encontrar perdido no
meio da rua, sem entender o que acabei de te causar, sem saber o que pode fazer
da vida dali pra frente se, de repente, eu pareço a melhor mulher que você já
desperdiçou, bom, nesse momento as coisas só foram boas para mim. Quando você
sofre, eu venço. E, ainda que a dor da falta que vou fazer queira pressionar
teu botão emocional, nós sabemos que eu sempre volto - até quando você não me
implora pra voltar. Somos ímãs.
"Eu posso entrar?", às vezes, eu
ou você, perguntamos e temos certeza que nenhum de nós nunca nem conseguiu
sair. Do início de tudo até agora, estamos em uma mesma conversa que não para.
De quando começamos a nos conhecer até quando começamos a saber demais dos
nossos defeitos, ainda somos os mesmos que não querem terminar o assunto; somos
os mesmos com os meus olhos grudados nos seus, com nosso ódio em comum contra o
resto do mundo e contra uma parcela de nós mesmos que pertence a ele - o mundo
e suas coisas mundanas.
Aprendemos a sentir o que apenas nós dois
temos coragem de sentir. Trituramos nosso amor com os dentes para usá-lo como
tempero, cuspimos e guardamos em um pote para as receitas. Nós almoçamos e
jantamos essa comida ruim que fazemos e saímos, cheios e com ânsia, para longas
caminhadas. Quando retornamos, o prazer é só de um durante a noite, dando
espaço para o prazer do outro na manhã seguinte. Também jogamos o amor
mastigado no café.
Nós precisamos judiar um do outro, machucar um
ao outro, quebrar nossos pedaços e nos espalhar por nossas camas para que um
só, de cada vez, fique bem. Ainda não entendeu como pode ser simples? Basta
ferir por acomodação. Basta errar de novo, e de novo, e de novo. Basta
apresentar as suas e as minhas falhas. E eu gostaria que você pudesse me ferir
todos os dias, por todas as semanas, meses, pelo fim desse ano e pelo ano que
vem também. Sei que você também quer.
Eu
vou mais longe. Gostaria que fizéssemos uma festa a cada nova decepção.
Gostaria que você pudesse quebrar minhas pernas só com um beijo pseudo-carinhoso
nos meus lábios com seus lábios que já beijaram tantas outras, que pudesse me
acertar em cheio com um suspiro no pé do ouvido que aprendeu em bordéis. Porque
é só assim, meu querido, que você me inspira. É desse jeito que mantenho a
melancolia, quase confundida com insanidade, em dia e sirvo para ouvir aquelas
músicas velhas; sentindo o gosto ruim das palavras que vêm até a boca e retornam,
como um vômito contido.
E eu posso demonstrar o quanto aguento seu
sufoco, o quanto aguento porque quero, porque sei como se chora com gosto. Eu
sei fazer uma cena boa de me jogar no chão e sei te derrubar comigo. Te juro
drama, mas só faço se você puder sofrer também. Tento um suicídio besta sob a
luz amarelada do poste se você escorar a cabeça no balcão de um bar e sentir a
vida desabando por uma simples frase que eu disse.
Não estamos tão distantes disso, pois já te
vejo perdendo a cabeça e se entortando para a direção da rua dos loucos e
perdidos, dos alcoólatras e viciados, e sei que você pode se encaixar entre
eles apenas por sentir amor por mim. Porque, acima de tudo, enquanto a gente se
ama, passa por todos os efeitos de qualquer outro vício ou sentimento exagerado
do mundo. É tão forte que nem nos arriscamos a sentir a abstinência e, assim,
nos afundamos nisso cada vez mais.
Até porquê, querido, depois de tudo,
podemos fingir felicidade e não assustaremos ninguém. Eles não vão desconfiar dos sorrisos que sabemos manter de cor,
como se fôssemos desenhos animados. Todos poderão pensar que bebemos para
brindar, sem em um segundo sequer admitirmos que é somente para esquecer nossas
tragédias. E vamos ser tão bons atores que em casa, nessa noite, nós dois sentiremos
que estamos perdendo um ao outro e nos perdendo. Sabendo que, no fim, será só
uma vitória silenciosa a dois.
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