janeiro 11, 2016

Três dias

Estive sem coragem de escrever, porque somente descubro os sentimentos reais frente às imaginações todas irreais quando não há mais outras palavras para acrescentar e outra sentença para ir além. Estive morrendo pela casa, morrendo em um sentido geral de desaparecer, ou ao menos tentar. Morrendo pelo esquecimento, embora a mente estivesse sendo preenchida de memórias. Memórias boas, memórias ruins e memórias de momentos que nunca aconteceram.
15:47 agora.
Às 15:45 eu ainda vestia o vestido de ontem, o vestido de sexta-feira, o vestido comprado em Santa Catarina em umas dessas viagens das quais me arrependo. Um vestido de vinte e cinco reais, azul escuro, com estampa de pássaros pretos. Pássaros voando pelo azul, como se voassem à noite. Pássaros libertos e eu ali tão presa.
Na sexta-feira eu quis encontrá-lo. Eu iria encontrá-lo. E seria no meu canto, perto da minha casa e com os meus amigos em uma noite regada à vinho de cinco reais e oitenta centavos. Foram dez vinhos, eu enviei a foto deles no carrinho de compras do supermercado. Ele tinha dúvidas sobre aquela noite, querendo saber se poderia me abraçar na frente das pessoas que estariam com nós, provavelmente bêbadas e cantando. Ele poderia me beijar, ele poderia me tirar de lá. Passar a noite de braços cruzados nunca foi o plano. Eu permiti, do meu jeito pouco didático. "Sim, cara", eu disse.
Eu mal me recordo quais foram as desculpas. Eu estava lá com o vestido azul de pássaros e cheirando à mousse de morango pelo corpo inteiro. "Estou cheirosa?", eu perguntei. "'Tá pra caralho", meu amigo respondeu. "Gostou do meu vestido?", eu perguntei. "Eu já ia dizer... Eu adorei", meu amigo respondeu. Era tudo por quem estava por vir. As desculpas não importaram tanto, o que significou foi o seu lugar vazio, ainda que eu nem tivesse trazido sua cadeira ainda (talvez porque desde cedo, com meu pessimismo covarde, já acreditasse que ele não viria). O que significou não foi palavra nenhuma dele, foi apenas sua ausência.
E eu bebi. Entornei taças e garrafas. E com o emocional abalado, e com uma saudade enorme, vomitei na pia do banheiro do ex-bar do meu amigo e lavei a pia jogando água da torneira ao redor. E ao sair peguei uma garrafa de água. E dormi na cadeira. E escorei no ombro de outro amigo. E escorei no ombro de uma semi-desconhecida. E mal vi outras pessoas chegarem. E fui a primeira a ir embora, depois que alguém quebrou uma das minhas taças. Eu dormi sentindo falta dele e sentindo falta de quem eu era antes dele. Esse alguém não vomitaria tanto vinho e saudade.
Eu não quis encontrá-lo no sábado, preferi dormir. "Eu vou dormir porque assim não faço merda", eu disse para o último cara por quem fui apaixonada e que agora é meu mais novo amigo. Ele se identificou com isso. Muitas vezes erramos igual. Muitas vezes estamos nos afogando no mesmo tipo de relação conturbada. Ele me vê errando por aquele que não apareceu e tenta me mostrar o pior que pode vir enquanto eu não fugir disso com toda pressa, mas ainda não quero fugir.
O domingo foi de promessas. Eu as recebi deitada na cama, ajudando a alimentá-las. Ele estava mandando incontáveis mensagens buscando maneiras de elaborar um novo encontro e dessa vez, com certeza, ele apareceria. O medo maior era que eu não pudesse fazer minha parte. Eu teria que mentir para onde iria, porque contar que sairia com um desconhecido seria motivo para ser segurada em casa. Eu falei com os meus amigos e fiz os planos, até buscando lugares para que nós dois pudéssemos ficar a sós nesse bairro pequeno. Iria dar certo.
Às 20:20, eu estava pronta. Com os mesmos amigos, no mesmo lugar, com o mesmo vestido. Tinha alguma vergonha em mim, uma pequena timidez, por estar na frente daquelas pessoas por mais um dia, com a mesma roupa e perfume, esperando pela mesma pessoa. Minha voz bambeava e eu não quis conversar tanto. Mas eles olhavam para mim e eu estava sorridente, radiante.
Minutos depois, depois de um breve sumiço, mensagens dele chegaram.
Eu não quero pensar nas desculpas, porque mais uma vez foi sua ausência que marcou. E dessa vez veio junto uma vontade enorme de chorar ali com eles, eles que estavam comigo me vendo repetir a história. Com os mesmos amigos, no mesmo lugar, com o mesmo vestido. Sua segunda chance de colocar as mãos por baixo do meu vestido e provocar os efeitos que somente ele sabe provocar, sua segunda chance se esvaiu.
Foi um pouco diferente. Eu não dei mais atenção às mensagens, somente às músicas que tocavam em nossa roda de cinco amigos. Ninguém estava tão feliz. Meu rosto me entregava mais que os rostos dos outros.
Eu fiz uma piada. Eles não esperavam e riram o mais alto que puderam e alguns jogaram seus corpos para trás e para frente para rir em suas cadeiras. Eu também fiz isso e abaixei o rosto algumas vezes, apenas porque no meu riso todos, meus olhos quiseram transbordar lágrimas. Eu não sabia como parar o riso sem derrubá-las e estava com uma vergonha gritante em mim. Quando pararam, parei e tornei a olhar para a pulseira de três pedras azuis claras que eu segurava na mão, concentrada nas linhas dela desde que recebi aquelas desculpas. Eu tentava fazer um nó e nas tentativas me perdia em pensamentos. Pensamentos que não diziam nada, apenas se tumultuavam e acompanhavam as vozes de fora, das outras quatro pessoas conversando sobre qualquer coisa que eu não queria tanto conversar.
Quando voltei para casa, quis ler mais mensagens, mas não as tinha. Antes que o impulso de mandar qualquer coisa a ele me tomasse, às 23 horas em ponto, dormi.
16:10 agora. Nada dele.
Mas hoje, quando acordei, tinham mensagens de 23:05, 23:06 e 23:07. Ele se sentia culpado e com alguma dívida sobre mim, ele prometia me recompensar pelo desencontros de sexta, de domingo e de todos os outros dias. Eu li, reli, eu continuei lendo até as onze da manhã, quando respondi finalmente. Mas já não valia de nada. Não valia como as promessas deixaram de valer também. Não valia para me acalmar. Não valia para sossegar o drama dentro de mim. Não valia para conter esse choro que tem medo de vir. Não valia para explicar aos meus amigos que ele não é assim, tão ruim quanto parece. Não valia porque o rompimento de todas as expectativas criadas por ele mesmo foi mais doloroso do que deveria ter sido. E, pela milésima vez desse mês, eu digo: eu não sei lidar.

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