Essa noite não é como
todas as outras, mas eu a conheço de alguma época, como se esse instante fosse
uma coisa vivida há um tempo atrás. Não consigo lembrar quando aconteceu e não
sei lembrar como termina, mas me arrisco em permanecer acordada até que o
próximo dia venha. Quero vê-la passar.
Sobre o que sinto
agora, ainda não sei. Talvez seja a saudade barata causada por uma paixão
passageira que me leve a essa nostalgia mais profunda, ou vice-versa. Talvez
seja a falta de amor lá fora e o excesso de amor dentro de mim. Talvez seja o
quanto não demonstro e o quanto sonho com demonstrações de afeto. Sobre o que
sinto agora, somente o ar um pouco incômodo do ventilador, a paz dos ouvidos
pelo fim dos fogos de artifício e a vontade de ter bebido qualquer coisa com
álcool.
Meus toques em mim,
toques próprios ainda que desapropriados, os toques são bons. Eu estive
sentindo minha pele e imaginando a sensação de outras pessoas que já a sentiram.
Penso sempre em agradar o quanto posso e ter sido boa o suficiente na medida
que pude. Por agora, não soa tão difícil. Mas o abraço de uma ou duas pessoas -
com suas particularidades e impossibilidades de estarem comigo agora - me fazem
falta.
A noite não corre, a
noite não caminha, a noite vaga. Os minutos são processos minúsculos de
sentidos, pensamentos e devaneios que vão estourando - silenciosamente - no ar,
aos poucos, depois de inflarem alimentados por tudo o que há na minha cabeça.
Algumas luzes aqui e ali permitem que eu veja o máximo que é também o mínimo
desse horário, a melhor parte: um pouco do céu lá fora, silhuetas dos móveis e
os dedos das minhas mãos que teclam um novo texto.
A noite não me
apresenta nada além do que eu mesma posso produzir, e ainda assim me disperso.
Procurando um objeto qualquer vulgar, um inseto qualquer chato, uma pessoa
qualquer no portão. Procurando algo que me tire daqui de imediato - somente
porque sei que nada vai surgir e não terei de sair do cômodo. Procurando apenas
porque estar comigo mesma, tão entregue e livre, causa algum medo meio sem
sentido.
Às vezes a inspiração
parece falhar, e lembro da única pessoa que me faz escrever até quando eu peço
para sumir, desaparecer, não me ver mais por nunca mais pelo resto de nossas
vidas. Por muitas vezes eu pareço falhar, apenas por ainda buscar inspiração
nesse alguém. Quem diria, então, que todas as aparentes falhas fossem me trazer
até aqui. A vida de escritora não soa tão mal quando se tem como matar o tempo
em uma noite natalina de insônia.
Não há muito o que
desvendar nesse meio escuro. De todo jeito, encontro novos motivos para não
estar tão feliz, tão triste, apenas meio-termo. A vida é morna daqui pra lá,
como quis ser também de novembro pra trás. Há muito em mim, eu repito sem
parar, e há pouco lá fora, eu reclamo sem parar, o equilíbrio ocorre em
instantes raros que tento recriar de novo e de novo. Nessa noite, enquanto
todos dormem, o equilíbrio quase acontece.
Essa noite não parece
fim. Os filmes, as relações - e também os amores -, as ceias, o trânsito, tudo
deveria começar nessa média de horário das duas da manhã. Deveríamos dormir
enquanto o sol estivesse forte e queimando nossas peles. Deveríamos ter
investimentos nas luzes dos postes e nas lâmpadas e nas velas e em tudo o mais
que pudesse colaborar com a lua.
Essa noite, tão
melancólica e rara, com seus extremos emocionais, à flor da pele, parece a
melhor noite para me encontrar.
Flávia Andrade
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