outubro 16, 2015

Sou livre sim!

    Era só mais uma tarde de sol e eu recebi um olhar reprovador para as minhas roupas. "Está muito calor", expliquei. Então seguimos nosso caminho para um parque e não falamos mais nisso.
    Acontece que minha própria frase ficou se martelando na minha mente. Por que devo explicar meus motivos? Digo, é um short curto, é uma blusa solta, é um chinelo de dedo, é um cabelo preso de qualquer jeito, é o que me deixa confortável, e por que eu deveria dar satisfações sobre o meu próprio conforto?
    Eu me sentei na grama e pensei em todas as coisas que explico, mesmo sem querer, porque olhares julgadores me forçam. "A vendedora disse que ficou bonito", "não é tão curto assim, vai", "mas eu não ligo se marca minha barriga (...ou ligo?)", "não tenho muita paciência pra salão de beleza", "cabelo curto é mais prático", "é que roo minhas unhas quando tô nervosa", "peguei a primeira coisa que vi no guarda-roupa", "estava calor demais pra fazer chapinha", "salto alto me incomoda".
    A cada explicação, uma sensação crescente de que estou fazendo algo errado. É como ter uma voz gritante dentro de mim: por favor, alguém me mostra o manual de padrão porque não estou conseguindo seguir!
    Mas dentro de casa, sou livre. Só sutiã pode sim, quem disse que não pode? Roupa amassada pode sim, quem vai me obrigar a passar? E não é esculhambo, não é pouco caso, é me sentir bem o suficiente apenas por não me preocupar com a imagem que vou transmitir para qualquer outra pessoa.     Por que do portão pra fora tenho que ser presa? A liberdade está proibida na rua? Afinal, o que a visão de outra pessoa sobre minha aparência pode mudar em algo? Se incomoda, então me deixa continuar na persistência chata.
    É domingo, dia de parque, dia de sol, o rímel vai derreter por cima da base que vai escorrer rosto abaixo. Eu nem sei qual é a base adequada, acima de tudo. E o batom vai marcar meus copos, vai ficar falho na boca, vai me dar uma agonia. E a alça da blusa vai ficar caindo pelo ombro e o sutiã estará apertado demais e eu só vou querer chegar em casa para arrancar a roupa. No fim, a preocupação toda com o exterior do corpo parece ridícula demais em um passeio tão banal.
    Menina de saia tem que controlar o movimento das pernas, de vestido tem que segurar por causa do vento, de pseudo liberdade tem que se preocupar com cada gesto.
   E por que eu me transformaria tanto para continuar sendo só eu? Desculpa, mas não vai ter desculpa não. Minha voz é alta, meu tênis é baixo. Meu cabelo está pra cima, minha auto-estima também. Não vai ter mais explicação não. Meu corpo não está à mostra, apenas está no mundo sendo inteiramente meu. Cada um cuida do seu, não é?

Flávia Andrade

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