dezembro 08, 2015

O mundo a nós pertence

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    Eu o abracei com uma força tamanha, querendo deixar meu corpo largado de lado para tomar o seu para mim. Parecia, àquela altura, que ele sabia lidar melhor com seu peso, sem andar se arrastando, sem querer passar dias inteiros na cama. Eu queria um pouquinho daquela existência desejada, para variar meu sono de sempre diante de cada "bom dia" do mundo. Os dias pareciam piorar com o passar das manhãs, fazendo o sol matinal brilhar como uma risada irônica do destino. Nele, no moço ali no meu abraço apertado, isso não parecia tão ruim.
    Com o rosto afundado em seu ombro, contendo um choro fraco, pedi para ir pra casa. Minha voz estava embargada e eu tinha cautela para não manchar sua camisa. Demonstrava o quanto estava insegura perdida ali na calçada, como alguém deixada para trás, soando como um drama ensaiado. Afinal, nunca fui de negar comoção. "Mas você já está em casa", ele me disse na boa intenção de me pedir para entrar e oferecer minha própria cama com cobertores. Eu não quis, não aceitei. Aquela construção não me importava, pois eu não me sentia abrigada ali, tampouco sentia que pertencia a algum tijolo ou móvel. Meu lugar era algum outro que eu ainda não conhecia, embora quisesse visitar tanto.
    Meu pedido de ir para casa queria significar os desejos mais profundos, ainda que tímidos, de ser acolhida em seus braços pela eternidade da madrugada. De olhos bem fechados, sentindo os perfumes misturados em seu pescoço, querendo mais do que me era oferecido, eu fiquei ali, abraçando-o. Prendendo-o ao meu enlaço desastrado, pedindo conforto. Não é como se pudéssemos ir para longe encontrar um lugar melhor, mas não encontrar outra saída me forçaria uma despedida que eu não queria dizer ou ouvir. Eu queria estar com ele em um cantinho só nosso, e pedir aquilo soava melancólico demais.
    Minuto após minuto, ele não sabia encontrar uma escapatória para o meu tumulto interno com o qual eu não queria ficar sozinha. Eu não planejava parecer assim tão dependente, bebendo da sua presença para anestesiar o que doía em mim sem dó e controle. E, ao mesmo tempo em que pensava ser um sufoco a mais ao seu dia movimentado, eu gostava de acreditar que um pouco de mim e do meu desespero emocional lhe servisse para alguma coisa qualquer experimental, ou para uma prova somatória de pontos meus. Em algo aquilo acabaria, e eu torcia para que fosse bom.
    Eu queria ir pra casa e a chave era dele; eu queria seguir um novo caminho e era ele quem levava o mapa na palma das mãos.
    Nós começamos a dar alguns passos que me disseram afagos para o coração, como sinal de que finalmente fugiríamos para somente ele poderia me levar. Ele que soube ouvir meu grito efêmero e mudo de quem tentava quebrar cadeados invisíveis. Viu que era naquela calçada na frente daquele portão que eu não ficava bem, e quis me levar para um canto escondido como um cleptomaníaco vendo um objeto simples e desejando incontrolavelmente. Eu era sua pedra não-tão-preciosa que, mesmo não devendo estar sob sua guarda, brilhava para longe sem deixar rastros. Notando a minha importância, meio discreta e contida, quis puxá-lo para o meio da rua e dançar a dois, uma dança inventada e sem som sobre nós, apenas por ter me compreendido.
    Nosso caminho poderia, a partir daquela decisão de me levar embora, ser a descoberta das outras ruas até não restar mais chão. Eu não me importaria se fossemos tomados pelo cansaço e não conversássemos mais para poupar os lábios de se moverem. Seguindo dali eu poderia descobrir palavras até mesmo no vento quente da cidade abafada e ficaria bem. Ficaríamos bem.
     Ele me estendeu a mão direita e pisamos em sintonia, passo a passo, sem tropeço nenhum. Eu não sabia por onde aquela construção idealizada de casa tinha ficado, e não me interessava o esquecimento, pois não queria voltar. A meia-noite se esticou sem receios até as quatro, as seis, as sete e meia da manhã, quando paramos para tomar café com leite de um real e cinquenta. Seu efeito de me fazer bem foi crescente, aumentando da hora em que me encontrou até as horas em que não me deixou esquecê-lo. Roubando de mim os risos que as flores que cantam em Alice não souberam roubar tão bem e tirando do meu corpo o que os mantras antes não souberam aliviar.
     Eu me afastei por alguns vinte centímetros, apenas para enxergá-lo em completude. Obrigada por me levar pra casa, eu agradeci. E talvez, com as tantas olheiras no rosto, ele ainda não tivesse percebido o quanto rodeamos uma parte da cidade como se fosse nossa, tomando as ruas, os bancos, as árvores, os muros, as portas, as câmeras de segurança, os postes, as lixeiras enormes, alguns carros estacionados e telhados para nós. Fomos donos e empregados do mundo, ocupando os lugares que nos chamaram e organizando os espaços que nos transbordaram. Tínhamos ido para casa, finalmente.
    Renovada, soltei-o. O sol raiou pra nós sem rir do rumo que tomamos.

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