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Eu o abracei com uma força tamanha,
querendo deixar meu corpo largado de lado para tomar o seu para mim. Parecia,
àquela altura, que ele sabia lidar melhor com seu peso, sem andar se
arrastando, sem querer passar dias inteiros na cama. Eu queria um pouquinho
daquela existência desejada, para variar meu sono de sempre diante de cada
"bom dia" do mundo. Os dias pareciam piorar com o passar das manhãs, fazendo
o sol matinal brilhar como uma risada irônica do destino. Nele, no moço ali no
meu abraço apertado, isso não parecia tão ruim.
Com o rosto afundado em seu ombro, contendo
um choro fraco, pedi para ir pra casa. Minha voz estava embargada e eu tinha
cautela para não manchar sua camisa. Demonstrava o quanto estava insegura
perdida ali na calçada, como alguém deixada para trás, soando como um drama
ensaiado. Afinal, nunca fui de negar comoção. "Mas você já está em
casa", ele me disse na boa intenção de me pedir para entrar e oferecer
minha própria cama com cobertores. Eu não quis, não aceitei. Aquela construção
não me importava, pois eu não me sentia abrigada ali, tampouco sentia que
pertencia a algum tijolo ou móvel. Meu lugar era algum outro que eu ainda não
conhecia, embora quisesse visitar tanto.
Meu pedido de ir para casa queria
significar os desejos mais profundos, ainda que tímidos, de ser acolhida em
seus braços pela eternidade da madrugada. De olhos bem fechados, sentindo os
perfumes misturados em seu pescoço, querendo mais do que me era oferecido, eu
fiquei ali, abraçando-o. Prendendo-o ao meu enlaço desastrado, pedindo
conforto. Não é como se pudéssemos ir para longe encontrar um lugar melhor, mas
não encontrar outra saída me forçaria uma despedida que eu não queria dizer ou
ouvir. Eu queria estar com ele em um cantinho só nosso, e pedir aquilo soava
melancólico demais.
Minuto após minuto, ele não sabia encontrar
uma escapatória para o meu tumulto interno com o qual eu não queria ficar
sozinha. Eu não planejava parecer assim tão dependente, bebendo da sua presença
para anestesiar o que doía em mim sem dó e controle. E, ao mesmo tempo em que
pensava ser um sufoco a mais ao seu dia movimentado, eu gostava de acreditar
que um pouco de mim e do meu desespero emocional lhe servisse para alguma coisa
qualquer experimental, ou para uma prova somatória de pontos meus. Em algo
aquilo acabaria, e eu torcia para que fosse bom.
Eu queria ir pra casa e a chave era dele;
eu queria seguir um novo caminho e era ele quem levava o mapa na palma das
mãos.
Nós começamos a dar alguns passos que me disseram
afagos para o coração, como sinal de que finalmente fugiríamos para somente ele
poderia me levar. Ele que soube ouvir meu grito efêmero e mudo de quem tentava
quebrar cadeados invisíveis. Viu que era naquela calçada na frente daquele
portão que eu não ficava bem, e quis me levar para um canto escondido como um
cleptomaníaco vendo um objeto simples e desejando incontrolavelmente. Eu era
sua pedra não-tão-preciosa que, mesmo não devendo estar sob sua guarda,
brilhava para longe sem deixar rastros. Notando a minha importância, meio
discreta e contida, quis puxá-lo para o meio da rua e dançar a dois, uma dança
inventada e sem som sobre nós, apenas por ter me compreendido.
Nosso caminho poderia, a partir daquela
decisão de me levar embora, ser a descoberta das outras ruas até não restar
mais chão. Eu não me importaria se fossemos tomados pelo cansaço e não
conversássemos mais para poupar os lábios de se moverem. Seguindo dali eu
poderia descobrir palavras até mesmo no vento quente da cidade abafada e ficaria
bem. Ficaríamos bem.
Ele me estendeu a mão direita e pisamos em
sintonia, passo a passo, sem tropeço nenhum. Eu não sabia por onde aquela
construção idealizada de casa tinha ficado, e não me interessava o
esquecimento, pois não queria voltar. A meia-noite se esticou sem receios até
as quatro, as seis, as sete e meia da manhã, quando paramos para tomar café com
leite de um real e cinquenta. Seu efeito de me fazer bem foi crescente,
aumentando da hora em que me encontrou até as horas em que não me deixou
esquecê-lo. Roubando de mim os risos que as flores que cantam em Alice não souberam
roubar tão bem e tirando do meu corpo o que os mantras antes não souberam
aliviar.
Eu me afastei por alguns vinte
centímetros, apenas para enxergá-lo em completude. Obrigada por me levar pra casa, eu agradeci. E talvez, com as
tantas olheiras no rosto, ele ainda não tivesse percebido o quanto rodeamos uma
parte da cidade como se fosse nossa, tomando as ruas, os bancos, as árvores, os
muros, as portas, as câmeras de segurança, os postes, as lixeiras enormes,
alguns carros estacionados e telhados para nós. Fomos donos e empregados do
mundo, ocupando os lugares que nos chamaram e organizando os espaços que nos
transbordaram. Tínhamos ido para casa, finalmente.
Renovada, soltei-o. O sol raiou pra nós sem
rir do rumo que tomamos.
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