janeiro 06, 2019

Quando os primeiros minutos do novo ano me alcançaram, não encarei o céu.
Havia nele estouros brilhantes, mas dentro de mim nada fez barulho. Como era possível encerrar trezentos e sessenta e cinco dias num instante, se eu estava com o hábito de vivenciar instantes como décadas, pela dureza dos fatos? Também não encarei os rostos que se aproximaram com braços largos, dois a dois, para me envolverem em desejos e promessas de dias melhores. Minha boca, como o resto de mim, não tinha som. Olhei apenas os arredores, sorrateira, como quem não quer olhar, para perceber o tumulto de corpos esperançosos e notar que, dentre eles, eu destoava. Assim, como quem não imagina nadinha no mundo melhor, uma descrente em evidência. A voz que inventei copiando frases dos outros para me passar por contente tinha certo tom de sádica, como se eu estivesse pronta para não mudar de ano, não recomeçar coisa nenhuma. Eu poderia, ali, partir com a roupa do corpo para viver em 2018 por mais dois ou três anos antes de tomar coragem para acontecimentos piores — porque novos. Eu poderia me fechar num cubículo invisível em que apenas coubesse eu mesma e impedir passagens pela próxima década para não lidar com o desconhecido. O conhecido já era um fardo pesado demais. E eu tinha em mim essa autopiedade de que, se eu lutasse bastante ali, naquela hora, não receberia mais do que já me era suficiente. O que eu não podia impedir eram as pessoas que eu precisava proteger, desse mundo louco que são as nossas vidas, de se mudarem para outro janeiro e tentarem outra vez. Então, quando os minutos do novo ano me alcançaram e eu não encarei o céu, busquei quem tivesse forças para me levar consigo. Sozinha, eu teria ficado para trás.

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